A pequena comunidade portuguesa no enclave timorense de Oecusse desafiou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a visitar a região onde primeiro desembarcaram portugueses na ilha de Timor, incluindo para dar um mergulho nas “maravilhosas” praias da zona.

Sabemos que deve ter uma agenda muito complicada, mas seria uma grande honra receber vossa excelência para uma visita e um almoço com a nossa comunidade de Portugueses a residir em Oecusse e quem sabe um mergulho nestas praias maravilhosas”, escreveu Paula Cardoso, uma das portuguesas a residir no enclave, num pedido enviado à Presidência portuguesa que já foi recusado.

Escrevendo em nome da pequena comunidade — formada por professores, engenheiros e outros profissionais envolvidos em projetos na região — e num pedido a que a Lusa teve acesso, Paula Cardoso tentou convencer Marcelo Rebelo de Sousa a dar um ‘salto’ a Oecusse.

“Para cá chegar não leva mais de 40 minutos de avioneta de Dili sendo que a visita a Lifau [onde primeiro chegaram portugueses] demorará aproximadamente 30 minutos seguido do almoço. Não seria muito tempo e nos ficaríamos encantados até porque nunca nenhum Presidente português se deslocou ao enclave e, como diz o ditado, ‘há sempre uma primeira vez para tudo'”, escreve, assinando em seu nome e dos restantes membros desta comunidade de Portugueses de Oecusse.

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Em resposta, Maria João Ruela, consultora para os Assuntos Sociais, Sociedade e Comunidades, explica que a agenda de Marcelo Rebelo de Sousa em Timor-Leste é intensa e a visita ao enclave não será possível.

“Encarrega-se sua excelência o Presidente da República (…) de agradecer o amável convite que lhe dirigiu, que lamentavelmente não pode aceitar, uma vez que o programa se encontra já muito preenchido, não permitindo acomodar nenhuma saída de Díli”, escreve.

Recorde-se que o chefe de Estado português é esperado em Díli a 19 de maio, onde participa na tomada de posse do seu homólogo José Ramos-Horta e nas comemorações dos 20 anos da restauração da independência, partindo do país a 22 de maio.

É para trabalhar no setor educativo que, como ocorreu a partir de 2001, mais portugueses têm estado em Oecusse, mantendo-se hoje essa presença, ainda que em menor dimensão que no passado.

Os projetos de desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA), e a exigência da autoridade de que todos deviam ser fiscalizados por portugueses, acabaram por engrossar, a partir de 2014, a comunidade portuguesa na zona.

Progressivamente os projetos foram acabando e hoje a comunidade portuguesa é de cerca de duas dezenas de pessoas, entre eles funcionários da RAEOA e professores das duas escolas onde funciona o Centro de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE) de Oecusse.

Apesar dos solavancos dos últimos anos, o projeto dos CAFE é, atualmente, um dos maiores da cooperação portuguesa, com mais de uma centena de professores destacados em escolas em todo o país onde, a par com docentes timorenses, foram dezenas de milhares de alunos, desde a pré-primária ao 12º ano.

Um projeto custeado hoje pelos dois Governos e que se tornou, em muitos municípios, um dos poucos com presença constante de portugueses no país.

No caso do enclave os cerca de uma dezena de professores estão divididos entre duas escolas na zona de Palaban, uma com cerca de 450 alunos, do pré-escolar e 1º ciclo, e outra, com cerca de 850 do 2º ciclo ao secundário, como explicou a coordenadora do CAFE de Oecusse, Mariana Magro.

Os equipamentos dos CAFE são, na maior parte dos casos, melhores do que as de outras escolas públicas do sistema timorense o que, somado a programas de alimentação escolar e melhores métodos pedagógicos leva a que os alunos surjam sempre entre os melhores classificados do país.

Ainda assim as carências são evidentes, com falta de professores, por vezes de material e a necessidade a recorrer ao engenho — os quadros, por exemplo, são simples chapas de contraplacado pintadas de preto e onde o giz mal se vê.

“Oecusse, 12 de maio de 2022”, escreve, no topo do quadro uma professora timorense.

Em pé, de costas para o quadro, e ainda com algumas dificuldades, Michael Arcanjo, 10 anos, vai lendo em voz alta, para turma, “A História do Lobo Mau”.

O silêncio domina o recreio, à exceção do chiar constante de um baloiço onde duas crianças brincam.

De repente, um funcionário aproxima-se de uma das árvores do recinto e com um ferro bate noutro, pendurado de um ramo, marcando o início do intervalo, com o recreio a encher-se de crianças.

Numa região, como no resto do país, onde 70% da população tem menos de 30 anos, e onde as crianças parecem multiplicar-se, a presença de alunos, durante o dia, é uma das maiores constantes da pacata capital, Pante Macassar.

As crianças são tantas que é necessário fazer dois turnos em muitas das escolas e, por isso, ao início da manhã, na hora de almoço e ao final da tarde, movem-se em grandes grupos, a caminho ou de regresso da escola.

A juventude a ser o principal movimento na isolada região que, outrora, chegou a ser capital do território.