Nos corredores, durante a fase de preparativos que antecedeu o evento, professores de neurobiologia molecular cruzaram-se com a fauna da moda, num encontro pacífico que deixava antever a aliança serena entre o brutalismo do cenário, o protagonismo do pôr-do-sol, e um desfile de 56 looks perante 650 convidados. Foi assim ao cair do dia de quinta-feira, em La Jolla, San Diego, Califórnia, quando a Louis Vuitton mostrou a sua coleção Cruise 2023 no arrebatador cenário do Salk Institute for Biological Studies, “um mosteiro de betão para espíritos iluminados”, lê-se na nota divulgada pela marca.

Num contexto pós-pandemia, é inevitável a evocação de Jonas Sacks, um dos pioneiros das vacinas, e a escolha cirúrgica de um destino californiano, com o soalheiro estado a acusar a fama de terapêutico. No final, monumentalidade e humanidade travaram uma serena e inofensiva batalha. Não menos decisiva na composição do ambiente foi a célebre golden hour, que passou no crivo do scouting do diretor criativo da casa, quando visitou este espaço que já foi usado para ​​concertos, anúncios, filmes e uma campanha da Dior. “O sol estava a pôr-se e havia uma secura, mas também uma névoa, e os surfistas estavam a sair do mar. Tudo isso foi tão inspirador na sua serenidade, e era um lugar com tanto significado”, descreveu à WWD Nicolas Ghesquière sobre este enclave costeiro, desenhado pelo arquiteto Louis Kahn em 1965, onde se distingue este generoso espaço aberto com vista para o Pacífico.

Gladiadoras espirituais, figurantes perfeitas para novo ensaio de “Dune”, ou deusas gregas sincronizadas com a mitologia do século XXI? É difícil eleger o conjunto de adjetivos, confirma a Vogue depois de assistir à parada de coordenados, onde se destaca a complexidade das silhuetas, num crescendo de volume e metalizado que adensavam o potencial refletor. O linho, o jacquard, a seda, o couro e o tweed acomodaram as referências desportivas (com direito a skates debaixo do braço), capas, boleros e tops. A maquilhagem ficou a cargo de Pat MacGrath e os cabelos de Duffy.

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Num vasto páteo entre edifícios, as manequins desfilaram ao som de “The Number One Song in Heaven”, dos Sparks, junto ao famoso “Rio da Vida”, a corrente de água que ocupa o centro do espaço concebido pelo arquiteto mexicano Luis Barragán, e que duas vezes por ano, na altura dos equinócios, atrai fotógrafos de todo o mundo e reforça o apelo da espiritualidade, pelo efeito produzido por toda a estrutura. “Para a moda, é todo um outro mundo fascinante”, admitiu à WWD Ghesquière, que passou o confinamento na sua casa em Malibu e que recentemente adquiriu uma propriedade em Hollywood Hills, por 11 milhões de dólares.

© Louis Vuitton

Para a Vuiton, a jornada marcou o regresso da apresentação das coleções Cruise à Califórnia, algo que não acontecia desde 2015, quando a maison se instalou de armas e bagagens na propriedade de Palm Springs construída para o lendário apresentador Bob Hope e para a sua mulher Dolores. Para a história passaram apresentações em que o contexto arquitetónico foi fiel aos maravilhosos pergaminhos, como Centro de Arte Moderna Niterói, desenhado por Oscar Niemeyer, ou o Museu Miho, nos arredores de Kyoto, com assinatura de I. M. Pei.