Ter Claire Danes na ficha técnica é pretexto suficiente para carregar no play de uma série ou filme ou, porque não há nada que esta mulher não faça bem… até agora. E palavra de honra que até me dói o coração só de escrever estas letrinhas, mas eu devia ter desconfiado logo pela sinopse que isto ia correr mal.
“A Serpente do Essex” — cujos três primeiros episódios estão disponíveis na Apple TV+ desde esta sexta-feira, 13 de maio — passa-se em 1893 e tem no centro da história Cora (Claire Danes), que acaba de ficar viúva (ou, em boa verdade, acaba de livrar-se do marido abusador). Sem saber muito bem o que fazer do seu tempo, e do dinheiro, procura uma paixão que dê sentido à vida e encontra-a nas páginas de um jornal. Em Essex há uma suposta serpente, que ataca e mata, a atormentar os locais. Em menos de dois segundos, Cora faz as malas, pega no filho e na empregada, deixa Londres e enfia tudo no comboio. Direção: Essex.
Até aqui, uma pessoa pode dar o benefício da dúvida a tudo isto. Criaturas mitológicas ou fantasticamente assassinas não são nada de novo. Funcionam em muitas séries (“A Guerra dos Tronos”, “Stranger Things” e por aí fora). Desta vez, não funcionam. Porém, não é propriamente pelo bicho em si, é por toda a envolvência, que é aborrecida desde o primeiro minuto.
Os cenários do contexto rural são lindos e o nevoeiro, que cria um certo mistério, é presença constante. Mas tinha sido mais eficaz aproveitá-lo para fazer regressar D. Sebastião (fica a dica, Apple TV+) do que para nos envolver numa narrativa que dá sono do início ao fim.
[o trailer de “A Serpente do Essex”:]
Amor, morte, fé e ciência misturam-se nesta adaptação do livro de Sarah Perry. Cora é uma fervorosa defensora da ciência, está ali focada em perceber se a tal serpente existe ou não, que criaturas andaram por ali antes dos humanos, como é que tudo isso explica e influencia o terror que se vive na localidade. Do outro lado está o pároco, Will (Tom Hiddleston), um homem de fé que não deixa de questionar uma data de coisas em que devia acreditar cegamente. Já estão a ver o que vai acontecer entre estes dois, certo? Uma paixão proibida, claro — o vigário é casado. Mas, esqueçam, também não é por aqui que a história se torna empolgante. Entre Claire Danes e Hiddleston não vejo um pingo de química, o olhar dela parece sempre forçado numa espécie de aprovação que devia ser de fascínio mas nunca chega a isso.
E agora entramos na parte que me dói: Claire Danes. O que é isto? Era preciso juntar isto ao currículo? Para quê? Não havia nenhum projeto melhorzinho para fazer? Em último caso, era apostar numa nova temporada de “Homeland”, que qualquer reboot morno seria melhor do que isto. Primeiro, o sotaque. A americanice de Danes não engana e o seu british accent dá um bocadinho de vergonha alheia. É suposto a personagem ser super inteligente, muito à frente da sua época, mas parece sempre tonta, sem noção do que é entrar numa comunidade e realidade que não são as dela. Como se não bastasse soar tudo a falso, deram-lhe uma peruca (que aquilo não é o cabelo dela, não me enganam) alaranjada, saída diretamente daqueles reclames de pintar o cabelo em casa. Sim, disse reclame. Se esta série pode cheirar a mofo, também posso dizer reclame.
É tudo demasiado forçado e lento. Há arcos narrativos que demoram uma eternidade e que não têm qualquer relevância. As personagens que se safam são o filho, um miúdo introvertido cuja relação com a mãe é fria e distante e que transmite um desconforto palpável, e a empregada, que também funciona como confidente e é mais realista do que Cora. Tom Hiddleston anda só para ali a desfilar o seu metro e noventa e tal e o seu charme — mas nem isso é chamativo.
Depois há um médico, mais um homem apaixonado por Cora. Luke (Frank Dillane) está focado em ser pioneiro na cirurgia cardíaca — se bem que, naquela altura, parece apenas que estão no talho. Não há luvas nem máscaras, os meios são rudimentares e bastante fascinantes. Um bloco operatório é, na verdade, um anfiteatro onde se acumulam dezenas de espectadores que batem palmas e incentivam os cirurgiões. Tudo é basicamente experimental. Se isto é interessante? Aqui não, nada mesmo. Para ver uma coisa deste género em condições há “The Knick”, com Clive Owen. “A Serpente do Essex” deixa tudo à superfície, é lenta e aborrecida. Já disse isto, não já? Se a série pode ser repetitiva, eu concedo a mim própria o mesmo direito.
No final das contas, se alguém acabar o primeiro episódio e tiver vontade de avançar para o segundo é um milagre. É que eu lembrei-me várias vezes de uma cena inicial, onde um desgraçado qualquer está deitado na mesa de operações à espera para ser cobaia, e por desejei ser eu naquele lugar. Deitadinha, sossegadinha, a dormir profundamente para não ter de assistir a nem mais um minuto disto.