Os libaneses elegem no domingo os 128 deputados do parlamento num contexto de crise económica, social e financeira, mas não são esperadas grandes mudanças, embora a classe política seja considerada responsável pelo colapso económico do Líbano.

O mandato do parlamento, eleito através de um complexo sistema de listas fechadas e quotas religiosas para os próximos quatro anos, inclui também a nomeação direta de um novo Presidente da República ainda em 2022 e a aprovação do próximo Governo.

Estas eleições são as primeiras desde o movimento de contestação popular que, em outubro de 2019, fez centenas de milhares de libaneses saírem à rua para exigir o afastamento de uma classe política acusada de corrupção e incompetência.

Mas essa classe política, inalterada há décadas, vê neste escrutínio uma oportunidade para se eternizar no poder e consolidar o seu profundo enraizamento num sistema político assente na partilha do poder entre as principais comunidades religiosas do país (que tem um total de 18).

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Nos termos do acordo nacional datado da independência de França, em 1943, o Presidente deve ser um cristão maronita, o primeiro-ministro, um muçulmano sunita, e o presidente do parlamento, um muçulmano xiita.

O país está desde 2019 mergulhado numa crise económica classificada pelo Banco Mundial como a pior do mundo na história moderna (desde 1850), com uma desvalorização inédita da moeda (95%9), um aumento dos preços superior a 200% e a queda na pobreza de cerca de 80% da população.

A explosão que destruiu o porto de Beirute em 2020 agravou ainda mais a situação, bem como a pandemia de Covid-19 e, agora, a guerra na Ucrânia.

Num relatório divulgado esta semana, a poucos dias das legislativas, a própria ONU acusou o Governo e o banco central do Líbano de serem responsáveis pela crise económica sem precedentes que mergulhou a maioria dos libaneses na pobreza, instando-os a “mudar de rumo”.

“O Líbano deve mudar de rumo – a miséria infligida à população pode ser revertida através de uma liderança que coloque a justiça social, a transparência e a responsabilidade no centro da sua atuação”, escreveu o relator especial da ONU sobre os direitos humanos e a pobreza extrema, Olivier De Schutter, no documento.

Nove em dez pessoas têm dificuldade em sobreviver, devido aos baixos salários, e mais de seis em dez abandonariam o país se pudessem, de acordo com o relatório.

Beneficiando da ausência do Estado, presentemente incapaz de fornecer serviços básicos como eletricidade, água potável, medicamentos e combustíveis, a classe política ativou as suas redes de clientelismo comunitário tradicional, o que faz com que, mais que uma avaliação do desempenho dos políticos, estas eleições sejam um exercício de lealdade para com aqueles que estão a fornecer à população o mínimo de serviços e bens essenciais.

Alguns candidatos tentam conquistar eleitores oferecendo ajuda financeira, combustível e pagando faturas hospitalares — uma abordagem que poderá revelar-se útil num contexto de crise profunda, tanto mais que faltam aos candidatos independentes experiência e recursos, além de não apresentarem uma frente unida, que seria, segundo os analistas, a única forma de conseguirem obter metade dos lugares do parlamento. Mas a formação de listas concorrentes dececionou as pessoas e vai dispersar os votos.

Num inquérito sobre a participação eleitoral realizado em abril pela organização não-governamental (ONG) Oxfam, 43,55% de uma amostra de 4.670 pessoas disseram que se absteriam. Mais de metade delas justificou a sua decisão com a inexistência de “candidatos promissores”.

Num país regido por um complexo sistema confessional de partilha do poder, os laços familiares desempenham um papel fundamental na determinação das escolhas e contribuem para a repressão de qualquer tentativa de oposição.

O inquérito da Oxfam mostrou que cerca de 40% das pessoas inquiridas sobre as razões pelas quais apoiam os partidos políticos tradicionais o fazem “por compromisso com a família”.

Os resultados destas legislativas serão, assim, determinados pelas “relações familiares, clientelistas e oportunistas”, e não pelo “estado de espírito da população”, segundo os analistas.

Além disso, os candidatos independentes enfrentam uma pressão crescente nos bastiões dos partidos tradicionais, como é o caso, em particular, nas zonas controladas pelos movimentos xiitas Hezbollah e Amal.

Em Bekaa, no leste do país, três candidatos xiitas apresentaram-se numa lista anti-Hezbollah, mas retiraram a candidatura em abril, apesar de ultrapassado o prazo para o fazerem.

Tal cria “junto dos eleitores a sensação de que qualquer mudança será rejeitada, e pode levar a uma queda da participação ou a uma distorção do comportamento eleitoral”, de acordo com a Oxfam.

A União Europeia (UE) enviou na quinta-feira para o Líbano mais 40 delegados para uma missão de observação que terá, no domingo, um total de 170 pessoas, em que se incluirão elementos recrutados de entre a comunidade diplomática europeia no Líbano e também uma delegação de sete deputados do Parlamento Europeu, incluindo a eurodeputada socialista Isabel Santos, para monitorizar a votação no pequeno país mediterrânico.