“Então, quando é que têm um bebé?” – esta pergunta feita – quase sempre – com a melhor das intenções tem, em muitos casos, um impacto dilacerante. Quem a faz procura, provavelmente, satisfazer uma mera curiosidade. Mas nem sempre quem a recebe está em condições de dar resposta. Algo que, aos olhos da sociedade, ainda é o caminho normal a seguir torna-se para muitos casais um percurso irregular, cheio de incertezas e angústia.

A infertilidade é considerada um problema de saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pode ser definida como a ausência de gestação após 12 meses de tentativas (entende-se por “tentativa” ter uma vida sexual ativa – com relações entre duas a quatro vezes por semana – sem utilizar quaisquer métodos contracetivos). Segundo dados da Associação Portuguesa de Fertilidade, a infertilidade atinge 15 a 20% dos casais em todo o mundo – 300 mil em Portugal. 30% dos casos estarão relacionados com causas femininas, outros 30% com causas masculinas, 20% com causas mistas e os restantes 20% com fatores inexplicados.

De acordo com Catarina Godinho, médica ginecologista e especialista em medicina da reprodução no IVI Lisboa, “a fertilidade pode estar relacionada com fatores genéticos, doença ou fatores externos”. Além disso, o estilo de vida que é comum a muitas pessoas, sobretudo, nas grandes cidades, “com muito stress, alimentação pouco variada e com recurso a fast-food, aliado à falta de atividade física” conduz “a problemas de excesso de peso e obesidade, o que tem um impacto negativo na fertilidade”. Quando o stress acrescido leva a um quadro de depressão “que obriga à toma de medicação – antidepressivos, por exemplo – é mais um fator de risco para quem pretende engravidar”. O tabaco e o álcool são dois fatores que prejudicam a fertilidade de ambos os sexos.

No caso das mulheres, a idade é inversamente proporcional à fertilidade, ou seja, regra geral, quanto mais tarde uma mulher decide ter filhos, pior. Isto porque, tal como explica a especialista em medicina da reprodução no IVI Lisboa, “a quantidade e a qualidade dos ovócitos diminuem a partir dos 35 anos”.

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Do lado dos homens, também tem havido “um aumento de casos de infertilidade nos últimos anos” e representam já “metade dos casos atendidos atualmente nas clínicas de procriação medicamente assistida”. Segundo explica a médica ginecologista, “as substâncias químicas presentes em pesticidas, os solventes e recipientes de plástico que utilizamos diariamente contribuem para uma qualidade reduzida do sémen e, logo, para casos de infertilidade”. Além disso, “o uso de alguns aparelhos como telemóveis ou portáteis/tablets e a utilização frequente de saunas e banheiras aquecidas” são também “possíveis causas da queda da qualidade do sémen”.

Nos casos em que não há uma explicação aparente, existem vários conselhos que podem ser seguidos. Em primeiro lugar, a atividade física pode ter “benefícios cardiovasculares, metabólicos, endócrinos e neurológicos”. Além disso, segundo a especialista em medicina da reprodução, “há estudos que demonstram que o exercício melhora a qualidade dos espermatozoides”. No que diz respeito à alimentação, deve dar-se preferência a alimentos naturais e fazer uma dieta variada com sementes, grãos, legumes, proteínas animais ou vegetais e produtos não refinados, ricos em fibras. De acordo com a médica ginecologista, “os alimentos mais amigos da fertilidade são os que contêm vitaminas e minerais como: ácido fólico (ajuda a prevenir defeitos e malformações no feto), DHA – ácido docosahexaenóico (essencial para a saúde do cérebro, olhos e neurónios, bem como para revigorar os espermatozoides e promover o equilíbrio hormonal nas mulheres), Vitaminas B, C, D e E (para o controlo hormonal, proteção espermática, desenvolvimento ósseo fetal, entre outros), selénio e cálcio. Um descanso adequado também é fundamental para a fertilidade: vai “melhorar a produção de melatonina no nosso corpo, que desempenha um papel importante no desenvolvimento dos folículos ovarianos”.

Infografia: Joana Figueirôa

O sonho [adiado] da maternidade

Nenhuma mulher tem de ser mãe e nunca deixará de ter o seu valor se não o for. O mesmo pode dizer-se dos homens. Mas a verdade é que, perante um cenário de infertilidade, muitas pessoas sentem-se incapazes, diminuídas, frustradas. E todos estes sentimentos trazem desafios enormes para o casal que, muitas vezes, não resiste à montanha-russa de emoções.

Segundo dados da Associação Portuguesa de Fertilidade, em todo o mundo, 48,5 milhões de casais não conseguiram ter um filho após 5 anos de tentativas. E um em cada dez casais precisa de ajuda para conseguir ter um bebé.

De acordo com Catarina Godinho, médica ginecologista e especialista em medicina da reprodução no IVI Lisboa, “graças à ciência” é possível “ajudar a concretizar o sonho da maternidade mesmo quando há patologia”. Os números demonstram uma balança equilibrada: “a percentagem de sucesso dos tratamentos de fertilidade ronda os 50-55%”.

Apesar da prevalência da infertilidade ser idêntica em ambos os sexos, as mulheres ainda são, muitas vezes, vistas como as principais “culpadas”. Filipa Santos, psicóloga do IVI Lisboa, justifica: “A sociedade atual ainda promove muito o papel da mulher enquanto ser capaz de conceber e gerar uma criança. Por este motivo, a vivência da infertilidade surge muitas vezes associada a sentimentos de diferença, estigmatização, defeito e solidão, sobretudo nas mulheres. Numa altura em que muito se fala e luta pela igualdade de género, as mulheres ainda tendem a viver mais a pressão social no sentido de terem filhos e a assumir a culpa da infertilidade, comparativamente com os homens, mesmo nos casos em que a infertilidade se deve a fatores masculinos”.

Apesar deste estigma, a vontade de ter filhos não é exclusiva das mulheres e o sofrimento associado à infertilidade é partilhado por muitos homens. O que, em conjunto, acaba por ter impacto na vida do casal. A “montanha-russa de emoções provocada pela infertilidade” pode levar a que o casal precise de reajustar “a forma como comunica entre si as suas necessidades emocionais”, explica Filipa Santos. Por outro lado, acrescenta a psicóloga, “os tratamentos invasivos fisicamente por vezes acabam por interferir negativamente na intimidade do casal.

Alguns casais quando procuram ajuda por dificuldades reprodutivas já chegam muito desgastados. Por norma, já viveram uma sucessão de ciclos sem gravidez, um acumular de questões para as quais não obtiveram respostas e, eventualmente, algumas perdas marcantes, com lutos ainda a processar”. Nestes casos – aconselha Filipa Santos – “o casal deve cuidar da sua relação afetiva e social para aliviar alguma pressão que possa estar a sentir em torno da gravidez”. Por exemplo, “planear atividades em conjunto, praticar atividade física assim como relaxamento” de forma a “fortalecer o estado emocional de ambos”. Acima de tudo devem lembrar-se que “a infertilidade é uma fase da vida e não aquilo que os define”. Além disso, é importante recordar que “cerca de 25 a 40% dos casais com dificuldades reprodutivas relatam sinais de ansiedade e depressão mais elevados comparativamente com os casais férteis” – ou seja, enquanto o casal está a tentar ter um bebé, é importante tentar descontrair e reduzir os níveis de stress, de modo a não tornar o processo mais complicado.