A decisão foi tomada em 2019. A concretização em pleno ano da pandemia, 2020. O Nordea Group, instituição financeira nórdica com sede em Copenhaga (Dinamarca), abriu um centro da sua gestora de ativos — Nordea Asset Management que gere 270 mil milhões de euros no global — em Portugal com vocação de distribuição e operação de produtos de investimento para o Sul da Europa e América Latina.

Atualmente com 40 pessoas na sua “casa” em Oeiras — “em tons vermelhos, a fazer lembrar as cidades nórdicas” — a Nordea Asset Management (NAM) aponta para uma estrutura com 100 pessoas.

O talento e a facilidade com línguas foram fatores decisivos para Portugal, garantiram, num encontro com a comunicação social, os responsáveis do grupo nórdico. Ao Observador, Christophe Girondel, diretor-geral para Portugal, realça que o contacto com as universidades é muito importante, ressalvando que os estudantes são “muito bons”.

Portugal ficou assim um dos três “hubs” de competências da NAM, que tem um outro em Copenhaga e outro no Luxemburgo. Mas para a venda de produtos, há equipas locais. Portugal já gere cerca de 500 milhões de euros em ativos, não havendo objetivos traçados. “Nunca ponho um número, porque isso ‘stressa’ as pessoas. Com a atividade que temos, a forma como trabalhamos com os clientes e com as soluções que propomos, se trabalharmos isso bem e se tivermos uma boa atividade, então os ativos sobem. Nunca aponto o número mágico”, explica ao Observador o responsável por Portugal, admitindo que o tamanho do mercado limita a evolução: “Obviamente não há muita gente em Portugal, portanto não podemos esperar coisas loucas, mas podemos fazer subir os ativos”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A NAM não trabalha diretamente com os clientes finais, mas sim com instituições financeiras que vendem os seus fundos. Uma coisa é certa. Segundo Christophe Girondel, este é um momento muito desafiante para o mercado, e “difícil”. Os investidores estão a preferir “esperar para ver”.

Com a abertura do escritório em Portugal em plena pandemia, a apresentação aos media foi feita agora. O Observador conversou, à margem do encontro, com Christophe Girondel.

Christophe Girondel é o responsável pelo negócio em Portugal

Quando decidiram que Portugal era um bom sítio para um “hub”?
Foi antes do Covid, em 2019. Nessa altura já estávamos a ter um grande crescimento no sul da Europa e comecei à procura de formas para diversificar o talento. É difícil atrair pessoas do sul da Europa para o Luxemburgo ou para Copenhaga. Agora, penso que temos um bom local para cativá-las. Tínhamos escassez de talento. O Luxemburgo estava a crescer e tivemos dificuldade em recrutar pessoas. Não havia gente suficiente lá, e o Luxemburgo é um país pequeno.

E aqui é mais fácil?
Sim, porque têm maiores universidades, maiores fontes de talento.

O facto de os impostos sobre rendimentos serem mais baixos para os estrangeiros contribuiu?
Não foi um dos factores. Queremos ter 100 pessoas.

As 100 pessoas que querem ter são portugueses?
Muitos sim, mas há pessoas que estudaram [aqui] nas universidades e são estrangeiros. Somos internacionais e, por isso, queremos encontrar pessoas de diferentes países. Encontramos uma fonte interessante de talento.

Quando decidiram o hub em Lisboa, também houve alguma relação com o Brexit? Portugal pode captar algum negócio com isso?
Sim. Nós queríamos estar na União Europeia (UE), porque obviamente torna as coisas muito mais fáceis. Londres não era opção. Mas se o Reino Unido não tivesse saído, se se tivesse mantido na UE, talvez fosse uma opção, mas não era porque não está na UE.

Quando decidiram vir para Lisboa, quais eram as outras opções?
Queríamos no sul da Europa, por isso Lisboa competiu com outros países europeus. Um ponto muito importante para nós é o facto de todos falarem [em Portugal] muito bem inglês. Somos nórdicos e tudo o que fazemos é em inglês, penso que foi um ponto muito forte. E também pelo facto de terem poucas empresas estrangeiras. Acreditamos que podemos trazer alguma coisa interessante para os portugueses. Já antes tínhamos estagiários de universidades portuguesas e sabíamos um pouco das universidades e foi uma boa forma para nos ligarmos a Portugal, às pessoas. Os estudantes que recebemos são muito bons. São coisas como estas que nos trouxeram aqui.

O momento “wait and see”

Quais são as oportunidades de investimento no mercado, com a inflação a subir?
É difícil. O mercado está mesmo muito difícil. O que vemos nos clientes é um momento de wait and see [esperar para ver]. Manter o dinheiro em caixa com a inflação não é muito bom, e investir na renda fixa com a inflação também não é tão bom, as ações [faz o movimento da queda]… é um momento muito difícil. Vemos clientes a comprar ações mais defensivas, das empresas que podem passar a inflação para o consumidor, vemos algumas empresas a comprar [fundos] de infraestruturas porque há ligações entre os contratos e a inflação, vemos os clientes a quererem produtos cujo desempenho não está tão ligado a uma tendência de mercado.

Estão à procura de ativos menos arriscados?
Sim, no geral, em toda a Europa.

Isso é uma tendência que mudou com a guerra?
Sim é uma tendência.

Uma tendência que não surgiu com o Covid, mas com a guerra?
Com o Covid não, porque  o mercado afundou mas depois subiu, porque os bancos centrais e os governos começaram a intervir e as pessoas continuaram a comprar. Agora, percebe-se que a guerra muda muito a situação, especialmente para os investidores europeus, porque sente-se que a inflação está a subir, temos a guerra que é na Europa, os media falam dela todos os dias, as pessoas começam a pensar o que fazer e são mais defensivas.

Como vê o papel do BCE. Vão andar mais depressa agora que a Fed e BoE marcaram posição?
Põe, definitivamente, mais pressão porque o dólar está a fortalecer, o que traz mais inflação nas importações. Por outro lado, a situação na Europa não é a mesma dos Estados Unidos, em termos económicos. A guerra está muito próxima de nós, a disrupção é maior, na questão da energia, não somos os Estados Unidos, não somos produtores, temos de comprar e encontrar soluções. O nosso risco de entrar em recessão é maior do que o dos EUA no atual ambiente.

Pode acontecer a recessão na Europa?
Há essa possibilidade. E o BCE tem de olhar para isso tudo e tem de balancear. Eu não gostaria de estar no papel do BCE neste momento, porque têm uma tarefa muito difícil. Não sei se vão andar mais depressa, mas é um trabalho difícil. As pessoas que lá estão sentadas são muito profissionais, por isso acredito que tomarão a decisão acertada. Mas é muito difícil. É fácil cometer um erro. É fácil ler a situação de forma errada, porque há muitos parâmetros a ter em conta.

Quando fazem avaliações, têm cenários preditivos sobre o fim da guerra?
É muito imprevisível. Pode estar durante muito tempo. E o impacto será duradouro. Mas penso que, a certo ponto, integraremos a situação. O que é difícil é a incerteza. Quando sabemos que algo é durável então podemos começar a integrar no processo de avaliação. O que é mesmo muito difícil quando algo novo acontece é quando não sabemos as reais consequências. Numa guerra como esta, o que é difícil é pensar nos efeitos secundários. Temos os efeitos diretos, os preços do petróleo e dos alimentos sobem, mas o que são os outros efeitos que não vemos já mas que ainda vão aparecer é que é difícil, e é aí que se tem de perder bastante tempo para perceber o que isso significa. O que se vê é fácil, mas há outros efeitos mais complexos.

Com a população a ficar mais velha e com os millennials a não fazerem poupança, como é que uma companhia de gestão de ativos planeia? Quais são os alvos?
Os jovens nunca quiseram poupar. Quando se é jovem não se quer poupar, quer-se desfrutar da vida. Quando chegamos a uma certa idade damo-nos conta que um dia queremo-nos reformar, por isso é bom se pouparmos algum dinheiro, ou se tivermos um projeto ou quisermos comprar uma casa, e aí muda-se um pouco os hábitos, e não vejo que seja diferente. A forma de poupar pode até ser diferente, mas o padrão é o mesmo, e garanto que não há ninguém que acorde de manhã e pense: ‘agora vou poupar’. É o nosso papel alcançar as pessoas e trazê-las para as poupanças.

“Tem havido muitos esforços no sistema financeiro, temos de fazer mais esforços no lado das criptos”

O Nordea investe em criptoativos?
Não, não investimos em cripto de todo. É a nossa política.

E não vai mudar?
Não vai mudar.

Não acredita que as cripto vão tornar-se num ativo mainstream para o sistema financeiro tradicional?
Há uma questão de princípios, sentimos que é um local onde pode haver muita lavagem de dinheiro, por isso não queremos aí estar, é uma questão fundamental para nós. E a segunda coisa, mais económica, é que não é baseada em cash flow. Não há cash flow atrás desse dinheiro, o que para nós é estranho.

Em relação à lavagem de dinheiro, não acredita que a regulação pode prevenir isso e a obrigação [que as corretoras de cripto têm] de conhecer o cliente?
Em cripto é mais difícil conhecer o cliente. Tem havido muitos esforços no sistema financeiro, temos de fazer mais esforços no lado das criptos, até ser alguma coisa a considerar. Agora, o que é interessante é a tecnologia por detrás das criptos, o blockchain, a tokenização, não descarto a tecnologia, mas são as cripto, elas próprias, que não gostamos tanto.