Pela primeira vez em dois anos, “há boas notícias para dar”. A constatação é de José Theotónio, CEO do grupo Pestana, que depois de ter apresentado os piores resultados dos 50 anos da história do grupo no ano passado — prejuízos de 32 milhões de euros — revelou esta quarta-feira um regresso aos lucros no exercício de 2021. Foram 23 milhões de euros. “Não é um resultado muito positivo para quem tem investimentos superiores a mil milhões de euros, mas é positivo face às circunstâncias”.

As circunstâncias ditaram que em 2020 e 2021, o grupo fosse obrigado a fechar praticamente todos os hotéis devido à pandemia. “Cada ano pareceu um século”, ilustra Theotónio. Ainda assim, 2021 já trouxe alguma recuperação face ao exercício anterior. O EBITDA quase triplicou, para 96,2 milhões de euros, ainda que tenha sido 60% do valor de 2019. As receitas aumentaram 62% para 295 milhões de euros, também ainda longe dos 418 milhões do último ano pré-pandemia, o melhor de sempre para o grupo. As receitas da atividade hoteleira duplicaram para 139 milhões de euros, e recuperaram o peso que tinham perdido no ano anterior para o imobiliário, que em 2020 foi “a tábua de salvação” do grupo, admitiu o CEO. Registar um EBITDA positivo na hotelaria era a meta do ano, e foi conseguida.

“2021 começou no final de maio. Em junho tivemos um boom de reservas de ingleses”, porque Portugal esteve brevemente na “lista verde” do Reino Unido, que não obrigava a quarentenas no regresso a casa, mas a situação rapidamente se inverteu. Ainda assim, entre julho e outubro o grupo recuperou “algum alento”, que voltaria a ser perdido em novembro, com a nova vaga de casos.

Apesar das dificuldades, o grupo manteve no ano passado a construção dos nove hotéis que tinha arrancado em 2020. Chegou mesmo a inaugurar o centésimo hotel da marca Pestana em fevereiro de 2020, para o manter aberto durante 39 dias. “Não tínhamos pressa em abrir, porque não havia mercado. Mas não abandonámos nenhum”. Hoje, estão todos abertos, após um investimento de 124 milhões de euros. Lisboa ganhou um e o Porto dois. Abriu ainda a pousada de Vila Real de Santo António e o Fisherman, na Madeira. Lá fora, foi inaugurada uma unidade em Tânger, em Marrocos, e os Pestana CR7 em Madrid, Nova Iorque e Marraquexe, a “cidade mais competitiva de África” na hotelaria, para José Theotónio. “O nosso grande desafio em 2022 vai ser pôr estes hotéis no mapa”, considera. “Porque cá toda a gente conhece a marca CR7”, e lá fora não é bem assim.

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Os próximos projetos na calha para adicionar à lista ficam em Lisboa, na Rua Augusta e em Alfama, mas só deverão abrir portas em 2023. Há ainda dois projetos à espera de aprovação, na Madeira e no Porto Santo. No estrangeiro, o grupo conta ainda abrir um hotel em Newark, nos EUA, mas o investimento nesta unidade será da família Seabra, dona do Seabra Group, que opera no setor da alimentação e bebidas. Na calha está ainda um CR7 em Paris, “mas vai demorar”.

“Tirámos um doutoramento em gestão de incerteza”

Mas as “boas notícias” de que fala o CEO do Pestana chegaram com mais força em 2022. Em abril, o grupo conseguiu ultrapassar as receitas obtidas no mesmo mês de 2019. O que também só aconteceu, lembra Theotónio, porque agora tem mais hotéis. Ainda assim, as expectativas são elevadas para o ano cuja época alta está prestes a arrancar. A meta é chegar ao fim de 2022 com as mesmas receitas de 2019, ou seja, do melhor ano de sempre. “Não nos podemos esquecer que existe uma guerra na Europa e um Covid que foi morto por essa guerra mas que continua por aí. Ainda há nuvens, mas as nossas expectativas, com base nas reservas que temos, são positivas”, revela. “Nestes últimos dois anos tirámos um doutoramento em gestão de incerteza”.

Questionado sobre a maior incerteza do momento, o impacto da guerra no funcionamento do grupo, e declarações recentes sobre Portugal poder ser um “refúgio” (o Presidente da República afirmou que poderia ser “beneficiário líquido” do conflito) José Theotónio não é tão contundente. “Custa-nos pensar que a guerra nos favorece ou que vai ser um fator de crescimento. Pode favorecer-nos no curto prazo, mas havendo perda de confiança no consumo, a confiança vai-se abalando”, sintetiza. Além disso, há o impacto no aumento dos custos. O Pestana espera ter um aumento “substancial” nos gastos com energia a partir de junho, na ordem dos 70%, porque terá de renegociar o contrato de três anos que tinha em vigor até agora, com preço fixo.

Na alimentação e bebidas também há dificuldades. O grupo sofreu quebras de fornecimento de produtos como o óleo vegetal, um dos mais afetados pela invasão da Ucrânia. “Os fornecedores não querem garantir preços a prazo”, sublinha.

Já no que toca aos próprios preços, José Theotónio refere que a diferença está nas reservas feitas “em cima da hora”, para as quais “é possível ajustar o preço em função da procura, e quando a procura está alta, o preço pode subir”, afirma, não adiantando valores médios.

Outra das dificuldades está na contratação de mão de obra. O grupo chegou a ter a pousada de Estremoz, no Alentejo, fechada até ao início deste ano “porque não arranjávamos pessoas para trabalhar”, diz o responsável. “Há o risco de termos hotéis fechados por falta de mão de obra”, revela. Para este verão, o grupo estima precisar de cerca de mil pessoas, das quais estão contratadas 480, “praticamente todos portugueses”, diz, “porque o que foi falado, de que haveria uma facilitação na contratação em países como os PALOP, não chegou ao terreno”, critica. O grupo conta atualmente com quatro mil pessoas, 90% em Portugal.

Trabalhadores precisa-se. A restauração e a hotelaria não estão diferentes, os jovens é que já não são os mesmos

Fora dos planos está a venda de mais ativos do portefólio. Isto depois de esta semana ter sido anunciada a venda do Pestana Blue Alvor à espanhola Azora, por um valor que ainda não é conhecido, mas que, segundo José Theotónio, foi alto. “Apareceu alguém que pagou a cláusula de rescisão. Foi um valor acima das nossas expectativas, por isso é que foi vendido”. Mas foi um negócio pontual, garante. Até novembro, a unidade vai ser gerida pelo Pestana. Depois disso, logo se vê. “Eles estão à procura de um parceiro. Vamos ver se encontram algum melhor que nós”.

No segmento do imobiliário, que no ano passado salvou as contas do grupo, o objetivo é “não regredir”. No ano passado a venda de imóveis representou cerca de 40% dos resultados do grupo, mas num ano de 2022 que se espera de regresso ao normal, espera-se que fique pelos 20% a 30%. Depois do “sucesso” de Tróia, o grupo tem em construção os projetos da Comporta e de Brejos de Azeitão, já “completamente vendidos”. Em comercialização está um projeto em Porto Covo, dois na Madeira e dois no Algarve.

José Theotónio revelou ainda que o grupo se candidatou às agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) com quatro projetos, avaliados em 24 milhões de euros. Dois são no âmbito da transformação digital e da melhoria das redes de wifi do grupo, avaliados em quatro milhões de euros. Os maiores, que totalizam 20 milhões, dizem respeito à instalação de carregadores elétricos e à alteração das fontes de energia do grupo para origens mais limpas, como painéis solares.

O título original desta peça foi substituído, tendo sido retirada a referência a uma “resposta” ao Presidente da República, que afirmou que Portugal poderia ser “beneficiário líquido” da invasão da Ucrânia.