Charles Gounod, Guy de Maupassant, Alexandre Dumas Filho, Leconte de Lisle e Charles Garnier foram alguns dos quase 50 intelectuais, artistas e arquitetos que em 1887, quando começaram os trabalhos da Torre Eiffel, publicaram na primeira página do jornal “Le Temps” um manifesto intitulado “Protesto dos Artistas Contra a Torre do Sr. Eiffel”, à qual se opunham em nome da “beleza até agora intacta de Paris” e “em nome do gosto francês desconhecido, em nome da arte e da história francesas e ameaçadas”. Também a imprensa da época avisou em termos apocalípticos contra a Torre Eiffel, previndo que desabaria após ficar pronta ou que os visitantes “iriam morrer asfixiados após chegarem ao topo”.

Nada disto é referido em “Eiffel”, de Martin Bourboulon, a produção francesa mais cara de 2020, sobre a construção do monumento por Gustave Eiffel e a sua equipa (a partir de um projecto de dois engenheiros da sua empresa, Maurice Koechlin e Émile Nouguier), para a Exposição Universal de Paris de 1889. O filme mistura a história da edificação da Torre Eiffel e uma intriga amorosa fictícia. Nesta, Eiffel (Romain Duris), já casado e com filhos, reencontra uma mulher, também ela casada (e com um amigo seu), Adrienne Bourgès (Emma Mackey), com a qual tinha tido um romance 30 anos antes, em Bordéus, onde estava a fazer uma ponte.  

[Veja o “trailer” de “Eiffel”:]

É como se, salvo as devidas distâncias e diferenças, os franceses tivessem querido seguir o modelo de “Titanic”, de James Cameron, em “Eiffel”: incrustar uma história de amor fictícia e ardente numa história real de grande aparato e significado coletivo. Neste caso, não uma tragédia memorável, mas sim uma colossal realização de engenharia. Só que “Eiffel” sacrifica a espectacularidade e o dramatismo em redor das várias fases da construção da Torre Eiffel – que deveria ser a vedeta da fita – e dos contratempos técnicos, burocráticos, financeiros e humanos que se puseram a Gustave Eiffel, às peripécias do romance entre este e Adrienne, e andamos numa constante jiga-joga entre o estaleiro da obra e a intimidade do casal.

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[Veja uma entrevista com o realizador e os dois atores principais:]

A intriga romântica tolhe constantemente o passo à muito mais interessante e complicada história da conceção e construção da torre, “essa ideia muito maior que eu”, como lhe chamou o arrojado engenheiro. Mas cuja realização em “Eiffel” fica bastante diminuída, condensada e privada de vários dos factos que se deram e de acontecimentos que a rodearam, em nome do fantasioso e convencionalíssimo caso amoroso entre Gustave e Adrienne, cuja exuberância e intensidade, ainda por cima, um sonâmbulo Romain Duris e Emma Mackey não são capazes de corporizar e transmitir convincentemente.

“Eiffel” demonstra que, no cinema, amor assolapado e feitos de engenharia não são compagináveis. E os espectadores franceses também pensaram o mesmo, porque este filme de 23 milhões de euros, ao contrário da Torre Eiffel, desmoronou-se nas bilheteiras.