Protagonistas da luta pela autodeterminação de Timor-Leste deram este sábado uma visita guiada pela história do país, particularmente dos 25 anos de luta contra a ocupação indonésia, ao Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa.

No seu último dia de vista a Timor-Leste, o chefe de Estado foi acompanhado por Álvaro Vasconcelos, principal guia do Arquivo e Museu da Resistência Timorense (AMRT) num percurso que começou com a chegada dos portugueses ao país há mais de 500 anos.

E que terminou na réplica do abrigo subterrâneo onde foi encontrado morto Nino Konis Santana, penúltimo líder das Falintil, o braço armado da resistência timorense, e onde está a máquina de escrever, teclado português, que usou para as suas últimas cartas.

“Não queria largar a máquina de escrever porque tinha acentos e era mais fácil escrever”, explica o deputado José Somotxo, ex-guerrilheiro e que encontrou Konis Santana morto a 11 de março de 1998.

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“A arma está ali a representar onde foi encontrado morto”, explicou, detalhando a Marcelo Rebelo de Sousa o pormenor do abrigo – um de quase três dezenas existentes no país — de altura baixa e que tinha como único acesso uma pequena tampa num altar construído por cima.

Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado, entre outros, pela ex-eurodeputada Ana Gomes, que saudou efusivamente, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e pela vice-presidente da Assembleia da República Edite Estrela foi recebido com danças tradicionais.

Depois, já no interior, ouviu do diretor, Hamar Antoninho Baptista Alves, uma curta explicação sobre o projeto, cuja criação e desenvolvimento contou com o apoio de vários portugueses, na conceção, desenho, recuperação do edifício e preparação do espólio.

O AMRT foi criado em 2005 “para a preservação da memória e do património histórico nacional e para a divulgação dos valores da luta de resistência do povo de Timor-Leste, especialmente junto das camadas mais jovens”.

A rápida viagem, conduzida pela conhecedora voz de Álvaro de Vasconcelos, mostrou a Marcelo Rebelo de Sousa imagens, documentos e objetos de momentos como a revolta de Manufahi, liderado por D. Boaventura, a criação dos primeiros partidos (UDT e Fretilin), a invasão indonésia e a longa e dura luta contra a ocupação.

Entre os protagonistas, duas ‘guerrilheiras’, Bi Lessa e Ilda da Conceição, duas mulheres guerrilheiras que estão, entre outras, numa fotografia de cores esbatidas — que hoje ilustra o período do cessar-fogo de 1983 -, na cronologia da exposição permanente do ARMT

“Mostra como as mulheres na altura também lutavam”, explicou a Marcelo Rebelo de Sousa Ilda da Conceição, hoje deputada.

Mulher de Reinaldo Freitas Belo, o comandante Kilik Uai Gai, a guerrilheira tinha outro nome, Lalo IMIN, o primeiro nome ’emprestado’ à avó, o ‘apelido, uma sigla que ainda hoje explica com firmeza: “Independência ou Morte, Integração Nunca”.

Depois, mais à frente protagonistas da Frente Clandestina e da Frente Diplomática — que a par da Frente Militar — constituíam os pilares da resistência.

José Luis Guterres, da Frente Diplomática, a recordar “o grande apoio diplomático dado por Portugal” e David Ximenes, atual deputado, membro da Frente Clandestina e que foi torturado e preso durante 12 anos, a mostrar o trabalho dos que em Timor-Leste e na Indonésia ajudam a promover a agenda da autodeterminação.

Outro dos protagonistas foi Hugo Silveira, um de 29 jovens que em novembro de 1994, num protesto inovador, invadiram a embaixada dos EUA em Jacarta, acabando depois por pedir asilo político a Portugal.

“Xanana Gusmão mandou-nos fazer aquilo para trazer visibilidade internacional para a luta”, explicou Silveira, recordando o protesto, conhecido como “Operação Trepe” e que conseguiu colocar Timor-Leste nas primeiras páginas internacionais no dia em que arrancava a cimeira da APEC e com Bill Clinton na Indonésia.

Depois, e fora do programa, Marcelo Rebelo de Sousa ainda se deslocou a um espaço quase ao lado, no interior do antigo Sport Dili e Benfica, onde está o arquivo do jornalista Max Stahl, que morreu no ano passado e filmou o massacre de 12 de novembro de 1991 — também com destaque no ARMT.

“Timor-Leste teve muitos massacres, mas só esteve ficou registado em vídeo”, relembrou Vasconcelos.

Lá dentro, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu uma mensagem da viúva de Stahl, Ingrid Bucens, atualmente na Austrália onde vive com os filhos do casal, e em que recordou o compromisso dos portugueses com Timor-Leste.

“Uma das minhas primeiras saídas públicas com Max foi quando lhe foi atribuída uma medalha pelo anterior Presidente de Portugal quando visitou Timor-Leste em 2006. Lamento não possamos estar lá, juntos, para vos encontrar hoje”, refere a mensagem.

“Max valorizou enormemente o compromisso do povo português em apoiar o seu sonho e esforços para garantir a preservação da história e cultura do povo timorense”, disse.

O lançamento ontem dos materiais atualizados e a nova plataforma de metadados para o arquivo CAMS-UC é testemunho disso mesmo. Se o Max estivesse lá hoje, contigo, estaria a cumprimentar-te com o seu sorriso aberto, o seu calor e o seu fluente português. Espero que sinta a sua presença.

Coincidentemente, a Universidade de Coimbra lançou na quinta-feira a nova plataforma do Arquivo Audiovisual Max Stahl,  (disponível em www.uc.pt/collections/max-stahl) que agrega cerca de 100 vídeos de Max Stahl.

Os vídeos já eram públicos tendo nesse ‘site’ sofrido um tratamento de restauro, para melhoria da qualidade dos vídeos para alta definição, enriquecimento dos conteúdos, revisão de metadados e interligação de vídeos, com a identificação de personalidades retratadas, locais, datas ou categorias, explicou hoje a instituição.