O Presidente timorense disse esta segunda-feira que o país não pode “continuar refém” de decisões tomadas pela administração da ONU no país, em matérias de reconciliação, e, por isso, quer promover a resolução do estatuto de timorenses ainda na Indonésia.

Não vamos continuar a ser reféns de decisões da Administração Transitória da ONU de há mais de 20 anos em circunstâncias especiais que estão ultrapassadas pelos processos de reconciliação encetados pelos dois Estados soberanos”, a Indonésia e Timor-Leste, disse à Lusa.

“Para mim é uma questão muito humana. Esse legado que a ONU nos deixou, implica que há mais de 400 indiciados, timorenses e indonésios, o que foge completamente à realidade da vida em Timor-Leste e com a Indonésia”, afirmou.

José Ramos-Horta falava à Lusa à margem de um seminário organizado pelo g7+ em parceria com a Universidade Nacional Timor Lorosa e subordinado ao tema “Timor-Leste: Duas décadas de construção de paz e construção do Estado, desafios e oportunidades”.

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“Temos as melhores relações com a Indonésia, povo a povo e governo a governo, houve um progresso enorme nas relações, mas alguns militares indonésios e alguns timorenses continua indiciados. E nem tudo era preto e branco em 1999″, considerou.

“Alguns que estão indiciados salvaram a vida a muitos timorenses, líderes de milícias, que salvaram muitas vidas. A ONU decidiu sobre esta unidade, equivalente a um tribunal internacional, sem nos ter consultado. Foi uma decisão arbitrária e unilateral da ONU”, vincou.

Retomando um dos temas do discurso de investidura, que distribuiu aos convidados, mas não leu na integra, Ramos-Horta disse que depois dos eventos do referendo de 1999, “dezenas de milhares de timorenses fugiram para a Indonésia, alguns voluntariamente e outros coagidos”.

A grande maioria voltou até 31 de dezembro de 2003, prazo estabelecido pelo ACNUR e pelas autoridades indonésias, sendo que a partir dessa data deixariam de ser considerados refugiados.

“Ao longo de 20 anos, os que não regressaram praticamente foram esquecidos. No meu primeiro mandato tive encontros para tentar encontrar uma saída jurídica e legal para isso. Não foi possível, mas agora estou determinado a fazer isso”, considerou.

Questionado sobre se é necessário haver justiça, especialmente em crimes de sangue, para poder haver plena reconciliação, Ramos-Horta vincou que a ocorrer nunca seria equilibrado.

“Não é possível justiça com os grandes oficiais indonésias. Vamos então fazer justiça com os pequenos? Por mim, não vai haver”, disse.

“A maior justiça foi que Timor ficou livre. E Timor ficou livre porquê? Porque a Indonésia permitiu, a Indonésia colaborou, porque se não tivesse colaborado, se os militares indonésios tivessem dito não, a Interfet não teria entrado”, disse.

O chefe de Estado disse que esta questão não tem criado obstáculos entre os dois países, vincando que se trata de uma questão “humana” e que não é possível “deixar milhares de timorenses esquecidos”.

No discurso de tomada de posse, distribuído aos convidados, Ramos-Horta criticou o facto de a administração transitória, liderada pelo diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Melo, ter decidido criar um tribunal internacional híbrido, quando “se sabia que só teria dois anos de mandato” antes da restauração da independência.

Uma decisão cujas consequências “se sabia que seriam demasiado onerosas para o novo Estado, pobre, extremamente frágil, como estava o país.

“Quis-se aplicar em Timor-Leste a justiça dos vencedores, experiência herdada do pós II Grande Guerra, muito longe da experiência e realidade de Timor-Leste. Impôs-se ao novo país extremamente pobre e extremamente frágil todo o peso da história recente”, afirmou.

“E condenámos milhares de timorenses ao exílio apesar de as autoridades timorenses legitimamente eleitas terem optado pela reconciliação”, referiu.

Afirmando que a Indonésia, de forma “generosa” acolheu os timorenses “sem exceção, sem discriminação”, Ramos-Horta disse que “muitos querem regressar à sua cidade ou aldeia”.

Nesse sentido, quer iniciar as consultas necessárias e “estudar e refletir aprofundadamente sobre as muitas dimensões desta questão humanitária”, promovendo numa primeira fase visitas de duração limitada.