Cerca de um ano depois de rebentar a polémica sobre as implicações fiscais do maior negócio realizado em Portugal nos últimos anos, há o receio de que o processo para apurar o eventual pagamento de impostos por parte da EDP venha a caducar.

Este risco é manifestado pelo Movimento Terras de Miranda, a organização cívica que defende a obrigação do pagamento de vários impostos na sequência da venda das seis barragens no rio Douro (incluindo o Baixo Sabor) pela EDP a um consórcio liderado pela Engie. E surge na sequência da suspensão da inspeção tributária à elétrica, que ficou a aguardar os resultados do inquérito criminal que também foi aberto pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal).

Venda de barragens. Inspeção do Fisco à EDP suspensa à espera do desfecho do inquérito criminal

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De acordo com a lei geral tributária, a AT tem quatro anos para apurar (e liquidar) os impostos devidos, findo o qual o direito a cobra caduca. Nas contas do Movimento Terras de Miranda, mais de um terço do “tempo que a AT dispõe para concluir os procedimentos inspetivos e exigir o pagamento dos impostos devidos já passou, pelo que existem riscos cada vez mais sérios de caducar o direito à liquidação de impostos”.

A transação de 2,2 mil milhões de euros foi concluída em dezembro de 2020, depois de concedida a autorização da Agência Portuguesa do Ambiente e da Direção-Geral de Energia e Geologia, sem que o Ministério das Finanças e, mais particularmente a Autoridade Tributária se pronunciassem sobre a operação. Mas à medida que o tempo passou, os responsáveis autárquicos da região transmontana onde se situam as barragens perceberam que as receitas que esperavam obter por via dos impostos a cobrar no quadro da operação estavam longe de estar asseguradas.

Só mais tarde, e depois de conhecidas as dúvidas e ouvidos vários protagonistas no Parlamento, é que a Autoridade Tributária começou a recolher elementos sobre a operação para avaliar se a EDP tinha cumprido as obrigações fiscais, e mais concretamente, para averiguar se o modelo como o negócio foi montado (através da criação de empresas instrumentais) foi concebido com o objetivo de evitar o pagamento de imposto de selo, que neste caso seria de 120 milhões de euros. O que, a confirmar-se, poderia dar origem à ativação da cláusula anti planeamento fiscal agressivo.

A inspeção da AT à EDP terá começado em maio do ano passado, mas no final do ano estava suspensa, de acordo com informação transmitida à Câmara de Miranda do Douro, na sequência de a Autoridade Tributária ter sido apontada pelo DCIAP como polícia de investigação criminal neste processo.

Sem se pronunciar sobre o caso concreto, fonte oficial da Autoridade Tributária explicou ao Observador quais os fundamentos jurídicos de uma suspensão nestes casos, defendendo que “existindo eventuais indícios de prática de crime, em regra, a investigação criminal no âmbito do inquérito crime toma procedência, aguardando o procedimento administrativo (a inspeção tributária) as conclusões a nível criminal”. Por outras palavras enquanto o caso estiver a ser investigado criminalmente — e até haver um arquivamento ou uma sentença com trânsito em julgado — o fisco não pode atuar como mera Autoridade Tributária que averigua a eventual obrigação de pagamento de imposto (que pode existir sem que tenha havido crime). O que levanta a incerteza temporal sobre a inspeção à EDP neste caso e o risco de prescrição.

O Observador questionou a Procuradoria-Geral da República sobre o ponto de situação deste inquérito, mas não obteve qualquer resposta.

O entendimento da AT sobre as consequências de uma investigação criminal sobre a mesma operação remete para a lei geral tributária e para o regime complementar do procedimento de inspeção tributária e aduaneira. Mas esta interpretação é contestada por fontes jurídicas ouvidas pelo Observador que invocam o regime geral das infrações tributárias. Segundo o número 4 do artigo 42, e nos casos em que a competência de investigação criminal for delegada na AT, “não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, cujo procedimento tem prioridade sobre outros da mesma natureza”.