A jurista e professora universitária guineense Irina Sanhá analisou os regimes jurídicos e penais contra o tráfico de seres humanos nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e concluiu que o assunto é ainda tabu.

Tema de dissertação de mestrado, realizado na faculdade de Direito de Coimbra, o livro de Irina Sanhá foi apresentado na terça-feira na Casa dos Direitos em Bissau e compara os vários regimes jurídicos contra o tráfico de seres humanos.

“Infelizmente as pessoas não falam sobre o tema tráfico de seres humanos” e os governos “muita das vezes, não têm uma iniciativa do combate” ao fenómeno, afirmou a jurista guineense.

Irina Sanhá definiu o tráfico de seres humanos como “algo potenciado pela pobreza”, pelas migrações e pelo desenvolvimento dos meios tecnológicos de deslocação de pessoas, instância de violência contra os mais carenciados, “perpetrado sob o manto do silêncio, da solidão e do abandono”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No caso dos PALOP existem alguns fatores, como a corrupção, que estimula o crescimento do tráfico de seres humanos, e que acaba por dificultar os esforços do combate da criminalidade organizada”, argumentou.

A jurista guineense afirma que embora os países tenham legislações contra o fenómeno, “na prática não existem ações concretas de combate”, nomeadamente investigações criminais, julgamentos ou condenações.

“Ou seja, a jurisprudência é praticamente inexistente nesses PALOP“, observou Irina Sanhá, que se assume como interessada por questões sociais e particularmente as condições de vida da mulher.

No caso da Guiné-Bissau, Irina Sanhá apontou como situações que possam ser consideradas tráfico de seres humanos a questão da criança talibé — criança que sai do seu ambiente familiar com o pretexto de estudar o Corão noutra comunidade –, os “minino di criasson” — criança sob responsabilidade de uma pessoa que não sejam os pais biológicos — ou as “meninas acompanhantes” de estrangeiros.

A autora do livro explica que em Cabo Verde o fenómeno manifesta-se mais através do tráfico de seres humanos para fins sexuais, embora ressalve que naquele país as autoridades investigam, julgam e condenam aqueles atos.

Em relação à Angola, Irina Sanhá disse não ter tido muita informação sobre o assunto por ser “um país um tanto ou quanto fechado”.

“Para os angolanos é um ainda tabu tirar essas questões cá para fora”, observou a investigadora, sublinhando, contudo, que existe a prática de tráfico de seres humanos em Angola.

A jurista referiu que pela ramificação que tem o fenómeno tráfico de seres humanos acaba por envolver Portugal a partir de situações originadas em países africanos de expressão portuguesa.

A autora do livro “O regime jurídico-penal do tráfico de seres humanos nos PALOP” recordou os números das Nações Unidas que apontam que mais de dois milhões de pessoas são vítimas de tráfico humano por ano em todo o mundo e que 71% das vítimas são mulheres.

O crime, segundo Irina Sanhá, representa o terceiro maior negócio do mundo, envolve exploração sexual, trabalho forçado e outras atividades e movimenta cerca de 117 mil milhões de euros por ano.