Coisas simples. Luís Trigacheiro é um homem de coisas simples, diz-nos. Já tem estrada, deu os concertos, tem uma vitória no programa de talentos “The Voice” em 2020 e agora está concentrado em apresentar o seu primeiro álbum a solo, Fado do Meu Cante, no teatro Tivoli, em Lisboa. Simples? Mais ou menos: “Este concerto tem um peso muito grande, já estive em palcos pequenos, esta é outro tipo de responsabilidade, com outro público e com um compromisso maior. Deixa-me nervoso e ansioso”, contou ao Observador.

Mas para o cantor este é um problema bom. Nem que seja porque nestes doze temas, onde vamos viajando entre “Peixe Fora de Água” ou “Linda Jovem Era Pastora”, pairam nomes como António Zambujo, Carminho, Luísa Sobral ou Joana Espadinha. Trigacheiro pode ter 25 anos, pode ser uma alma nova que paira há pouco tempo na cena musical em Portugal, mas o cantor encontrou boa companhia para trabalhar no seu álbum de estreia. “É muito bom, estas colaborações não são algo que se veja num primeiro disco. Esta foi a minha primeira experiência em estúdio a 100%. Foi giro o processo, porque é preciso desconstruir, fazer o que o compositor pede, não é possível produzir totalmente como queremos”, conta.

[o vídeo de “Meu Nome é Saudade”:]

Foi por isso que, sempre que foi preciso, ora se desconstruía, ora se deitava fora em estúdio. Melhor exemplo dessa dinâmica — e Luís Trigacheiro não gosta assim tanto desta palavra porque, lá está, não é simples — foi a relação que manteve com o produtor Diogo Clemente. Especialmente quando o assunto envolveu dois temas específicos, (“Amanhã é Melhor” e “Fado do Meu Cante”, compostos com as mãos de ambos. “Surgiram no tempo em que estávamos a gravar o álbum, foi um acaso, aconteceu. Mostrei ao produtor, trabalhámos nos temas, discutimos e acabámos em conjunto. Sem planear pode ser importante”, garante.  Não se está nada mal nesta forma de ser e trabalhar, portanto. Continuemos na simplicidade que aqui ninguém quer complicar nada.

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Para um rapaz que nasceu em Beja há mais de vinte anos, que costumava andar por grupos de cante, entre os Papa Borregos de Alvito e os Bobedanas, ganhando traquejo, palco, um à vontade para outras vidas “e dinheiro para os copos entre amigos”, esta ida ao Tivoli é, no fundo, a celebração de tudo isto. Já houve eventos da junta de freguesia, já houve concertos privados, mas esta quinta-feira é uma noite diferente. Porque esse tempo de outros passeios musicados já lá vai. “Esse período ensinou-me muito, mas agora é a altura para novos desafios. Claro que guardo tudo isso com muito carinho”, conta. Pois bem, este concerto será então uma celebração das suas raízes, que nos vão embalando (com baladas, assim mesmo, literalmente) para a história deste artista. “A única imposição que tive no álbum foi a de ter as minhas raízes”. Ponto. Parágrafo.

[ouça “Fado do Meu Cante” na íntegra através do Spotify:]

A tal simplicidade de Luís Trigacheiro ainda tem mais uma ou outra coisa para acrescentar. É que este alentejano nem queria inscrever-se num concurso de talentos. Aliás, o “bichinho da música” chegou tarde, mesmo depois da avó, no Alvito, lhe puxar pela voz para umas cantorias: “Não queria nada disto. Andava por Agronomia. Na verdade, não sabia que era para isto que estava destinado. Agora tenho a certeza que é isto que quero fazer. Quando comecei a subir a descer do palco com a vontade de voltar, aí sim, percebi. Se não tivesse sido assim? Provavelmente tinha seguido com Agronomia”, afirma.

E o que é que se pode saber sobre o que se vai passar na noite desta quinta-feira em Lisboa? Isso já é complexo. Não se pode estragar uma boa surpresa, mais ainda quando se trata de uma estreia. “O que tem de acontecer é música, não é teatro”, diz. Não há “grandes dinâmicas”, show-offs, pós de perlimpim musicais que distraiam o público daquilo que Luís Trigacheiro quer fazer. Até porque “é cedo para isso e pode tornar-se maçador”. Então o objetivo só pode ser mesmo levar o seu cante para o outro patamar. Sem descuidar a sua história, um passado carregado com muitos homens e mulheres lá dentro. “É bom que o cante chegue a mais gente, é uma segurança que se dá à nossa cultura, para que fique presente no futuro. Os jovens que participarem nesta história é que depois a saberão contar. Tudo o que é purista é bom, mas pode ser melhorado. Não quero que deixe de existir o cante tradicional, mas é possível haver mistura, trazer novas linguagens”, finaliza. Está feito, simples. Deu-se à língua, agora é cantar até que a voz lhe doa.