O português “começa a ser uma língua familiar” para um grupo de ucranianos que ao fim de 30 horas de aulas dizem, orgulhosos, já saberem perguntar direções, ir sozinhos às compras e pedir um café na língua de Camões.

Esta sexta-feira é último dia de aulas para aquele grupo, que três vezes por semana, desde o início do mês, se reuniu na Biblioteca Municipal da Maia, distrito do Porto, e na véspera do “dia de formatura” a grande preocupação dos alunos, com idades entre os 24 e os 80 anos, foi o temido teste final.

Em conversa com a Lusa, a professora responsável pela formação, promovida pelo BabeliUM — Centro de Línguas da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas da Universidade do Minho –, em colaboração com a Câmara Municipal da Maia, Sofia Rente, explicou que mais do que um “espaço de aprendizagem”, as aulas funcionaram como “momentos de convívio e de fuga” para quem participou.

“Já dei aulas de português a muitos grupos de várias nacionalidades misturadas. Já tive alunos ucranianos mas esta é a primeira vez que tenho uma turma só de alunos ucranianos e que chegaram a Portugal de uma forma diferente dos outros, é um contexto diferente que pensei que fosse ser muito pesado”, confessou à Lusa Sofia Rente.

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No entanto, explicou, “tem sido muito fácil, tirando o facto de eu não falar ucraniano, eles não falarem português e quase nenhum fala inglês”.

Kateryna Atamarova, ucraniana nascida na Crimeia é “peça fundamental” nas aulas, faz a tradução ucraniano-português. Veio para Portugal há cinco anos, “a típica história” de uma aluna de Erasmus: “Estudava na Polónia, História. Vim para o Porto fazer Erasmus, conheci um português, que hoje é meu marido, andamos entre a Polónia e o Porto mas quando a relação ficou séria lá fiz as malas e viemos de vez para aqui”, contou.

Isto é muito fixe [servir como ponte entre os compatriotas e a professora Sofia]. Para eles o português não é fácil. Começa logo com a diferença de alfabeto. Aqui eles falam ucraniano, também russo, e eu traduzo para a Sofia e traduzo o que a Sofia diz para eles. Fico feliz por poder ajudar”, salientou.

A importância de Kateryna é reconhecida por todos. “Ela é fundamental. Seria muito mais complicado sem ela”, reconheceu Sofia Rente.

Segundo a professora, as aulas têm sido “momentos de diversão” para os alunos: “Não tiveram necessidade de falar da realidade da guerra nem de como vieram parar a Portugal. Quase não se falou disso, foi como se as aulas fossem momentos de fuga dessa realidade que atravessem”, referiu.

Para outra Kateryna na sala de aulas, 29 anos, em Portugal há três meses, esta formação “veio em boa hora e está a ser muito útil” para a vida cá.

“As pessoas são muito simpáticas. Eu já conhecia Portugal mas nunca tinha praticado o português. Fiquei a saber mais sobre o país. Já sabemos pedir um café, podemos ir sozinhas às compras, pedir direções. Os portugueses são muito amigos, tentam ajudar mas não nos percebem”, disse.

“Acabam sempre a falar muito devagar e muito alto”, riu-se. Ao lado, a aluna mais velha, Maria Huba, também se riu, do alto dos seus 80 anos e, visivelmente orgulhosa, soltou um alegre “olá, como está” que as duas Katerynas aplaudiram com o sorriso.

“O mais difícil é aprender. É difícil compreender e é difícil falar”, admitiu, em tom de quem diz a verdade a brincar e completou: “Mas isto ajuda a passar o tempo até voltarmos para a Ucrânia”, explicou.

O início da aula, assistida via zoom por dois dos alunos, que mesmo em isolamento por causa da Covid-19 “nem puseram a hipótese de desistir”, foi tenso. O teste. Vai ser na próxima semana.

“Mas não é obrigatório para terem o diploma. Vai ser só para saberem como isto correu e só faz quem quiser”, descansou Sofia, os sorrisos voltaram.

“Eu já não tenho idade para isso”, avisou, Maria.