O investimento português na vacinação contra a Covid-19 permitiu contrariar o risco sanitário inicial decorrente da escassez de recursos de Portugal na área da saúde relativamente a outros países da OCDE, admite um estudo divulgado esta sexta-feira.

Reconhece igualmente que, antes da pandemia, o Sistema Nacional de Saúde já apresentava uma capacidade de resposta a um risco sistémico “inferior à média dos restantes países da OCDE”, em parâmetros como o número de médicos, de enfermeiros e as consultas por mil habitantes.

Quanto ao excesso de mortalidade, lembra que Portugal ocupou em 2021 a 16.ª posição dos países da OCDE, mas diz que este critério incorpora o aumento de mortes por outras causas, que não diretamente a Covid-19, como as mortes por doença cardiovascular.

O estudo admite ainda que este aumento de óbitos esteja relacionado com “uma resposta menos eficaz do sistema de saúde” e com o “impacto socioeconómico da pandemia na mortalidade em geral”, incluindo a quebra na prestação de alguns serviços de saúde e o facto de a própria população os ter evitado, por medo de contágio.

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Em alinhamento com este excesso de mortalidade, sublinham os autores, “durante 2020–2021 os portugueses estão, em termos comparativos na OCDE, entre os que mais referiram necessidades médicas extra-Covid-19 por satisfazer“.

Quanto ao impacto das medidas restritivas sociais (como os confinamentos) na saúde e no bem-estar dos portugueses, o estudo destaca alguns indicadores que já tinham sido apontados noutras investigações, como o aumento de peso (31% dos inquiridos), a redução das horas de sono (30%), o aumento do consumo de psicofármacos (9,4%) e de tabaco e álcool (8,1%).

Estes impactos negativos afetaram sobretudo os mais jovens [menos de 30 anos] e foram mais evidentes entre as mulheres, exceto no que se refere ao consumo de tabaco e álcool”, sublinham os autores.

Este estudo recolheu dados em dois momentos: no final do segundo confinamento (março a maio de 2021) e em setembro e outubro de 2021, que correspondeu a um período de redução de restrições e de altas taxas de vacinação entretanto alcançadas.

Em termos de saúde mental, comparou os anos de 2020–2021 com a média dos três anos anteriores, concluindo por um aumento das ocorrências relacionadas com problemas psiquiátricos e suicídio (mais 7% e 18%, respetivamente).

Contudo — referem os autores — os níveis de ansiedade e os sinais de depressão verificados no primeiro momento de recolha “foram bastante moderados e tenderam a manter-se durante o segundo momento”, sendo que o medo associado à Covid-19 diminuiu entre o primeiro e o segundo momento de recolha de dados.

Quanto ao cumprimento das medidas de contenção (máscaras e higienização das mãos), o estudo aponta uma quebra no cumprimento do primeiro para o segundo momento de recolha de dados, justificando-a com a chamada “fadiga pandémica”. No entanto, reconhece que, no geral, o cumprimento foi sempre “muito elevado”.

Diz também que a perceção dos inquiridos é de que as pessoas, em geral, cumpriram as medidas sanitárias e tiveram confiança na atuação da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Em contraste, a perceção relativamente à atuação do Governo em relação a certos grupos da sociedade — nomeadamente as pessoas de classe social baixa (os mais pobres), os doentes crónicos, a população ativa (25 — 64 anos), as mulheres, os idosos, os imigrantes, as crianças e os adolescentes — “revelou-se desfavorável”, sobretudo nas pessoas de classe social baixa.

No entanto, as dificuldades sentidas em conter a propagação do SARS-CoV-2 não foram particularmente atribuídas a falhas na atuação do Governo ou à falta de eficácia das medidas impostas, mas sobretudo a “comportamentos de desrespeito e violação das medidas públicas” por parte da população.

Os autores consideram que o bem-estar subjetivo se revelou baixo, “especialmente para a população com menos de 50 anos”, mas sublinham que a satisfação com a vida melhorou do primeiro para o segundo momento de recolha de dados.

Para além disto — destacam — “os inquiridos estimam um aumento substancial da sua satisfação com a vida dentro cinco anos, o que pode ser visto como um indicador de resiliência e esperança no futuro por parte da população portuguesa”.

Para o futuro, os autores consideram determinante continuar a monitorizar o estado de saúde da população, a capacidade de resposta do sistema de saúde português “e as principais políticas para combater e mitigar esta crise nas suas várias vertentes”, mas também “antever e planear outras possíveis crises”.

Pandemia reforça desigualdades e urgência de redução do endividamento

A pandemia de Covid-19 reforçou a urgência da redução do endividamento, bem como as desigualdades já existentes, penalizando os mais jovens, menos experientes, com menor escolaridade e os que têm “relações de trabalho mais precárias”, segundo um estudo.

A pandemia parece assim ter reforçado desigualdades anteriores. Penalizou os mais jovens, menos experientes, e os menos escolarizados. Teve um impacto maior nos trabalhadores com relações de trabalho mais precárias”, concluiu a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) no estudo “Um novo normal? Impactos e lições de dois anos de pandemia em Portugal”.

A investigação, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que avaliou o impacto de dois anos de pandemia sob o ponto de vista económico, social e político, conclui que Portugal se mostrou “particularmente vulnerável” aos efeitos imediatos de uma crise pandémica e que, ao nível do bem-estar, saúde mental e coesão social, a pandemia afetou particularmente as mulheres, os jovens e os mais pobres.

De forma geral, a Covid-19 veio assim expor e acentuar problemas que já existiam, associados “à segmentação do mercado do trabalho português”, levando à convivência de “um elevado grau de rigidez e proteção no emprego de trabalhadores mais velhos e qualificados com mecanismos compensatórios de flexibilidade que afastam sobretudo os mais jovens de relações duradouras de trabalho“.

Segundo a fundação, confirmando-se a natureza estrutural da recomposição da atividade económica, surge um “potencial desajustamento” entre o “stock” de capital humano e a procura de qualificações e competências.

Em Portugal poderá implicar um “difícil ‘trade-off'” entre o aumento da produtividade e a diminuição da exclusão, situação que pode ser atenuada caso se mantenham “artificialmente” empresas e empregos “pouco produtivos”, contudo isto acarreta o risco de “deprimir” o crescimento da economia nacional.

Neste sentido, tanto o desenho dos apoios públicos como o seu “timing” têm que negociar esse “trade-off”.

“Deste modo, o reforço da capacidade para reconverter carreiras e competências parece, ao fim de dois anos, um aspeto decisivo para assegurar que a economia portuguesa não se veja confrontada com uma escolha entre produtividade e igualdade”, acrescentou.

Por outro lado, a crise provocada pela pandemia veio reforçar a urgência da contração do nível de endividamento da economia portuguesa, bem como o seu respetivo crescimento.

A isto, conforme apontou, acresce a dúvida sobre a persistência ou a transitoriedade dos aumentos de preços.

No que se refere à recuperação económica a nível europeu, a FFMS disse que o facto de esta ainda estar incompleta sugere que a implementação das agendas de crescimento, que orientam os programas de recuperação e resiliência, permanece relevante.

Adicionalmente, estas podem levar ao aumento do dinamismo no mercado do trabalho, o que classificou como um objetivo desejável ao longo prazo.

Porém, a perspetiva de uma subida das taxas de juro tem “riscos substanciais” para a sustentabilidade da dívida dos países periféricos e para a recuperação do impacto económico gerado durante a pandemia.

“Para todos estes desafios, a capacidade de agência da economia portuguesa é muito limitada”, referiu, notando que a guerra na Ucrânia cria um novo “foco de incerteza” que vai influenciar, diretamente, estes desafios e reforçar a “tal falta de capacidade de agência”.

Este estudo tem por base, entre outras fontes, um inquérito de opinião, que foi aplicado em duas vagas.

Na primeira, entre 16 de março e 20 de maio de 2021, somaram-se 3.463 entrevistas.

Já na segunda vaga, que decorreu entre 6 de setembro de 2021 e 25 de outubro, cerca de 50% da amostra da primeira vaga foi reinquirida, num total de 1.640 entrevistas (online e telefónicas).

Jovens entre os mais penalizados numa “sindemia” que agravou desigualdades

A pandemia de Covid-19 não afetou os portugueses da mesma maneira e agravou desigualdades pré-existentes, aponta um estudo divulgado esta sexta-feira, que fala antes numa “sindemia” em que os jovens foram “particularmente penalizados”.

Agravamento da situação daqueles que já eram vulneráveis, teletrabalho sobretudo para a classe média alta, e um peso económico particularmente elevado sobre os jovens. Estas são algumas das conclusões do mais recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Desenvolvido em duas fases — entre março e maio, e entre setembro e outubro de 2021 — o estudo é o resultado de um total de 3.463 entrevistas que confirmaram que a pandemia não foi igual para todos.

Embora a Covid-19 possa ser comparada a uma tempestade inesperada, não é verdade que estejamos todos no mesmo barco. A doença e as medidas implementadas para conter e mitigar o impacto da sua rápida propagação tiveram efeitos colaterais desiguais e mais gravosos entre grupos específicos da população”, refere o estudo.

Por esse impacto desigual, que ultrapassa o campo da saúde, os investigadores preferem antes falar numa “sindemia” para refletir a forma como a Covid-19 interagiu também com as condições sociais e económicas do país.

Exemplo disso são os efeitos da Covid-19 na vida dos jovens, simultaneamente o grupo menos vulnerável à doença e um dos mais afetados em termos económicos, ao contrário do que antecipavam.

“O Portugal pandémico não é um país para jovens”, refere o estudo, que destaca a perda de emprego, mas também o impacto das medidas restritivas sociais na saúde e no bem-estar, que pesaram de forma significativa sobre aquele grupo.

Apesar da reduzida incidência de contágio grave e de mortalidade pela Covid-19 entre os jovens, acrescenta o documento, “a análise dos efeitos indiretos da pandemia permitem revelar esta face oculta da crise sanitária”.

Por outro lado, os investigadores referem que, além dos jovens, os impactos negativos da pandemia foram também particularmente sentidos pelos grupos que já eram considerados vulneráveis, designadamente as mulheres e as classes sociais baixas.

Essa desigualdade foi visível, por exemplo, no caso do teletrabalho, a solução adotada por muitas empresas no início da pandemia, em março de 2020, para que conseguissem continuar a funcionar, mas que não foi possível para todos.

De acordo com os resultados, 68% dos indivíduos que dizem pertencer à “classe baixa” e 48% dos indivíduos que dizem pertencer à “classe média-baixa” trabalharam presencialmente entre 2020 e 2021, enquanto a maioria dos indivíduos de “classe média-alta” trabalhou integralmente à distância (36%) ou em modo misto (46%).

Sem apontar uma explicação, o relatório refere também que, se para as classes média e média-alta aquele período da pandemia foi uma oportunidade de reforçar as poupanças, para as classes baixa e média-baixa foram mais frequentes as situações de instabilidade financeira.

No que toca ao equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, as conclusões apontam que a sobreposição entre locais de lazer, trabalho e estudo, em particular durante os períodos de confinamento, acabaram por gerar níveis acrescidos de conflito.

“Estes conflitos emergiram durante a pandemia com prejuízo para ambas as dimensões, mas sendo especialmente nocivo para as famílias, isto é, a vida pessoa”, referem os investigadores.

Ainda assim, “as famílias portuguesas apresentaram maiores níveis de coesão entre os seus membros do que de conflito” e a divisão do trabalho doméstico foi, sobretudo, igualitária.

Por outro lado, a digitalização a que confinamento obrigou acarretou alguns desafios, como a falta de equipamento em casa para a realização do trabalho, referida por mais de 30% dos inquiridos, e também para a atividade escolar dos filhos (mais 40%), a fraca qualidade da Internet (mais de 20%) e a falta de espaço ou privacidade para trabalhar (mais de 15%).

“De uma forma geral, foram as mulheres e os inquiridos de classe social baixa quem demonstrou uma maior vulnerabilidade nestas dimensões tecnológicas de digitalização do trabalho”, refere o estudo.