A escalada que levou os combustíveis para preços nunca vistos a partir de março deste ano não travou a receita fiscal com o principal imposto cobrado pelo Estado, o ISP. Antes pelo contrário, a receita mensal do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) não só cresceu em março e abril, face a 2020 e 2021, mas também registou um crescimento face a 2019. Este foi o último ano em que a economia e a receita fiscal não sentiram, neste período, o efeitos do confinamento causado pela pandemia.

Os dados da execução orçamental mostram que, até abril, a receita do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) cresceu 23,9% face aos primeiros quatro meses de 2021, o que representa mais 217 milhões de euros. Mas este período de 2021 foi o mais afetado pelo confinamento, cujas regras só começaram ser aliviadas no final de abril. O ano de 2020 também é atípico para comparações. Há um efeito da pandemia a partir de março, quando houve o primeiro confinamento, mas a receita do ISP vinha inflacionada de janeiro em mais de 200 milhões de euros porque, explica a síntese da Direção-Geral do Orçamento, a tolerância de ponto dada na passagem do ano fez com que parte do imposto sobre os combustíveis consumidos em dezembro fosse apenas contabilizado em janeiro.

Sendo assim, e para perceber como está a reagir o mercado à crise energética e aos preços recorde, é preciso recuar aos primeiros quatro meses de 2019, o último ano “normal” do ponto de vista da economia e da cobrança. Quando se compara a receita até abril, a cobrança do ISP ainda está a perder face ao mesmo período de 2019 — menos 7%. Mas quando se analisa a receita por mês, a conclusão é outra.

Nos primeiros dois meses de 2022, a cobrança do ISP estava em queda (em janeiro deste ano houve duas semanas de confinamento). A situação inverte-se em março: a receita do ISP é mais alta do que em igual mês de 2019: 271 milhões face a 264 milhões de euros. Mas é em abril que a aceleração é mais evidente com um acréscimo de 15% para 321 milhões de euros (segundo dados revistos de abril de 2019 que constam da execução orçamental de 2020). Nos dois anos comparados, a Páscoa (um período sempre de grande procura de combustíveis) foi em abril.

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Esta aceleração da receita a partir de março coincide com dois fatores que deveriam ter dado o resultado contrário: um aumento nunca visto dos preços dos combustíveis, que ultrapassaram os 2 euros por litro devido à guerra na Ucrânia, e uma descida das taxas do ISP a título de devolução dos ganhos fiscais do Estado com o aumento dos preços.

Em março e abril, o ISP da gasolina recuou 1,6 cêntimos e do gasóleo 3,7 cêntimos por litro, e se comparamos com as taxas em vigor em 2019, a diferença é de 4,7 cêntimos no diesel e de 3,6 cêntimos por litro na gasolina. Ainda que uma parte deste efeito só se tenha feito sentir a partir da última semana de abril, seria mais expetável uma queda da receita do que o contrário.

A única explicação reside no aumento do consumo. Os dados do regulador da energia, citados pelo jornal Eco, confirmam que o consumo de combustíveis subiu muito em março, sobretudo no gasóleo — o combustível mais vendido em Portugal.

Apesar dos preços muito caros, o consumo de combustíveis aumentou, não só face ao período de pandemia e de travão na economia associado à Covid-19, mas também face a um ano normal. E isso aconteceu muito provavelmente porque o Estado subsidiou fortemente a compra de combustíveis, sobretudo em março e abril.

Nestes dois meses, o reembolso através do Autovoucher subiu de cinco para 20 euros por mês, naquela que foi a medida com mais visibilidade de resposta ao aumento dos combustíveis. Apesar de muito criticado, sobretudo por não chegar a todos e ser “cego” em relação à quantidade de combustível comprada por cada beneficiário (qualquer despesa na bomba de gasolina dava direito ao reembolso), o programa que terminou com 3,1 milhões de consumidores inscritos na plataforma convenceu os portugueses a abastecerem mais.

Segundo o Ministério das Finanças, os reembolsos feitos até abril ao abrigo do programa Autovoucher totalizaram 121 milhões de euros. Mas uma parte relevante desta despesa — pelo menos metade — foi compensada com mais receita fiscal. Só no ISP, e comparando março e abril de 2022 com os mesmos meses de 2019, foram cobrados quase mais 50 milhões de euros. E como ainda falta somar o IVA cobrado nos combustíveis, a receita total nos impostos permitiu limitar a dimensão das perdas para o Estado. No total, e considerando alguns reembolsos feitos já no início de maio, o Autovoucher devolveu de 127 milhões de euros este ano, aos quais se somam mais 50 milhões em 2021.

A partir de maio, com a descida acentuada do imposto petrolífero, o saldo deverá seguramente ficar mais vermelho, com uma redução em 15 cêntimos da taxa por cada litro de combustível.