O Ministério Público do Trabalho (MPT) do Brasil realiza no dia 14 uma audiência com a Volkswagen Brasil no âmbito de uma investigação sobre atos de tortura e trabalho escravo alegadamente praticados pela empresa há mais de 30 anos.

Volkswagen acusada de práticas esclavagistas durante a ditadura brasileira

Localizada em Santana do Araguaia, no estado brasileiro do Pará, a então “Fazenda Vale do Rio Cristalino”, conhecida como “Fazenda Volkswagen” e dedicada à criação de gado, é descrita pelas denúncias como “um inferno”.

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Estima-se que centenas de trabalhadores viviam em condições degradantes e foram submetidos a violência extrema, incluindo ameaças, tortura e agressões às vezes fatais, durante as décadas de 1970 e 1980, de acordo com relatos de sobreviventes recolhidos pela justiça brasileira.

Após longos anos de silêncio, o Ministério Público do Trabalho (MPT) decidiu investigar o caso na esfera cível e convocou a Volkswagen do Brasil para uma audiência, em Brasília, para assumir a sua responsabilidade e reparar os danos causados.

Segundo informações divulgadas pela agência noticiosa Efe, militares que comandavam o país durante a ditadura brasileira (1964-1985), preocupados com uma suposta ocupação estrangeira da Amazónia, lançaram um plano para povoar a região a qualquer custo sob o lema “integrar para não entregar”.

A ditadura prometia terras aos desempregados e benefícios fiscais aos empresários. É aí que entra a Volkswagen, que atuava no país desde a década de 1950.

“O governo ofereceu subsídios, deduziu impostos, concedeu empréstimos com taxas negativas… Foi algo fantástico para os empresários”, disse à Efe o padre Ricardo Rezende, coordenador do grupo de pesquisa sobre trabalho escravo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que recolheu 600 páginas de documentação sobre o “caso Volks”.

A empresa alemã instalou-se então, através da sua subsidiária “Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria”, numa fazenda de quase 140 mil hectares em Santana do Araguaia, e passou a criar gado para venda.

Na época, Rezende era coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à Igreja Católica, para a região do Araguaia e Tocantins.

O padre relatou que rapidamente começou a receber denúncias de “graves violações de direitos humanos” na fazenda com base no depoimento de trabalhadores que conseguiram fugir. “Disseram coisas terríveis”, lembrou Rezende.

Se alegavam melhores condições ou tentavam fugir, os trabalhadores eram “punidos”, “amarrados a uma árvore e espancados durante dias”, afirmou Garcia Rodrigues.

O relatório do Ministério Público também inclui outra história sobre um trabalhador que foi amarrado no meio da selva “para que um jaguar o comesse”.

As autoridades brasileiras estimam que existiam cerca de 300 trabalhadores contratados, aos quais acrescem as centenas de trabalhadores informais que viviam em condições desumanas.

Os trabalhadores alegaram que não eram livres até que pagassem a dívida que contraíram inadvertidamente com o empregador para despesas relacionadas com o transporte, trabalho e vida pessoal.

O padre Rezende denunciou publicamente os acontecimentos da década de 1980, mas ninguém lhe deu atenção.

Em 2019, porém, o procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, iniciou uma investigação sobre o caso.

A Volkswagen Brasil, que em 2017 já reconhecia que cooperava com a ditadura, com “listas negras” de funcionários “politicamente indesejados”, reafirmou em breve nota o seu “compromisso de contribuir com as investigações de forma muito séria”.

Se as negociações falharem, Garcia Rodrigues informou que não descarta processos judiciais, já que crimes desse tipo são imprescritíveis num país onde a escravidão contemporânea ainda é uma realidade.