A província etíope de Amhara tem sido palco de detenções em massa de ativistas, jornalistas e outros críticos do governo federal, que tem o apoio das autoridades locais na guerra contra os separatistas do Tigray.

Mais de 4.500 pessoas de etnia Amhara foram detidas até 23 de maio, segundo as forças de segurança, mas alguns ativistas alegam que o número real pode ser muito mais elevado.

Na quarta-feira, a polícia federal anunciou ter 10 suspeitos sob custódia, após fechar 111 meios noticiosos on-line, considerados ilegais por tentarem “abrir um fosso entre o governo e a opinião pública”.

Yilkal Getnet, vice-presidente do partido da oposição Hibir Etiópia, disse à agência Associated Press que as “detenções em massa são politicamente motivadas”, uma “ação preemptiva” das autoridades de Adis Abeba para “consolidar o seu poder, que pensam estar a escapar-se das suas mãos, especialmente na região de Amhara”.

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Segundo Getnet, as prisões visam sobretudo quem “coordenou, apoiou e liderou a guerra” no Tigray, pois o Governo federal teme que as elites políticas de Amhara teçam críticas contundentes durante a atual pausa nas hostilidades, fruto do cessar-fogo humanitário declarado em março.

Outros três partidos da oposição — Partido Enat, Partido da Unidade de Toda a Etiópia e Partido Revolucionário Popular Etíope — acusam, numa declaração conjunta, o governo federal de “silenciar críticas, quebrar a moral do público e afastar líderes”, referindo a detenção de “jornalistas, ativistas, membros da milícia Fano, académicos, militantes de partidos políticos e aposentados”.

O Conselho Etíope dos Direitos Humanos denunciou vários “raptos” e diz não saber onde está a ser alojada a maioria dos detidos.

Já a Comissão Etíope dos Direito Humanos, criada pelo governo, apelidou a “detenção ilegal” de pelo menos 19 jornalistas um “novo ponto baixo”.

Por sua vez, as autoridades provinciais e federais defenderam a continuação das detenções, que não se limitam à região de Amhara, onde a contestação tem sido, todavia, mais forte.

“Houve tentativas de pintar o governo como fraco e de causar agitação pública e violência”, declarou o porta-voz regional Gizachew Muluneh no dia 1 de junho, acrescentando: ” sta conspiração falhou. Aqui não há lugar para a anarquia e atividades ilegais”.

Invocando apelos do público à lei e ordem, o Serviço de Comunicação do governo da Etiópia disse que estavam a ser tomadas medidas contra “grupos que colocam os cidadãos uns contra os outros”.

Entre os detidos estão membros da milícia Amhara conhecida como Fano, previamente aliada das forças federais no combate aos rebeldes do Tigray e acusada de algumas das piores atrocidades da guerra.

Para William Davison, analista do International Crisis Group, “a milícia Fano fortaleceu-se devido à guerra e, em parte, as prisões são um esforço para colocá-la sob controlo do governo”, o qual também procura condicionar “a narrativa à medida que crescem os temores entre os Amhara de que os seus interesses serão prejudicados pelos esforços do governo federal para pôr fim ao conflito”.

Os governantes de Amhara apoiaram o primeiro-ministro Abiy Ahmed e o exército federal na guerra travada desde novembro de 2020 contra a região vizinha do Tigray.

Segundo as Nações Unidas, as hostilidades já provocaram milhares de mortos e cerca de dois milhões de refugiados, sendo que, atualmente, cerca de 9,4 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária em Tigray, Amhara e Afar.