A entrada em vigor das normas do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa relativas à naturalização de descendentes de judeus sefarditas a 1 de setembro pode levar a um “dilúvio de queixas” nos tribunais administrativos, antecipa a Comunidade Israelita de Lisboa.

Em entrevista à Agência Lusa, José Ruah, dirigente da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) sustentou esse cenário com base nas duas normas que considera inconstitucionais no decreto-lei 26/2022 para conseguir a cidadania portuguesa por via da descendência de judeus sefarditas: a exigência de documentos comprovativos de transmissão de propriedade por herança e de viagens regulares a Portugal ao longo da vida.

Não estranharia que, se a 1 de setembro houver recusas de pedidos com base nas duas normas que nós cremos inconstitucionais, não venha a existir um dilúvio de queixas nos tribunais administrativos, porque esse é o direito das pessoas”, afirmou o responsável da CIL, admitindo ainda que a questão seja colocada ao Tribunal Constitucional (TC): “Se o TC for instado a isso e não se vier pronunciar, existem sempre os tribunais administrativos”.

José Ruah esclareceu que a CIL “não tem legitimidade” para agir por essa via, uma vez que a eventual recusa da naturalização pende sobre os requerentes e não sobre a instituição que certifica as origens sefarditas. O membro da direção da CIL realçou que continuaram a chegar pedidos de certificação e que estes aumentaram após a suspensão da receção de pedidos na Comunidade Israelita do Porto (CIP), na sequência das suspeitas de ilegalidades.

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“O número que é sempre relevante é o que chega à Conservatória e o que a Conservatória despachou com base em certificados emitidos pela CIL”, ressalvou o dirigente, assegurando: “Sei que foram inundados com pedidos“.

O responsável da CIL reiterou ainda a distância e o desconhecimento em relação aos procedimentos adotados pela CIP ao longo dos anos e que motivaram desde o início deste ano uma investigação, levando, inclusivamente, à detenção e constituição como arguido do rabino da comunidade portuense: Daniel Litvak.

“A CIL não conhece os processos nem os procedimentos, não faz a menor ideia de como é que esses processos eram instruídos ou deixavam de ser e não faz a menor ideia de que documentação é que traziam”, disse José Ruah, garantindo que a CIL desconhece o processo de naturalização do milionário russo Roman Abramovich: “Quiseram-nos mostrar e nós recusámos. Nós não conhecemos esse processo”.

O dirigente assumiu que a polémica em torno deste caso possa inicialmente ter generalizado uma ideia de alegadas práticas abusivas das comunidades religiosas nos processos de naturalização de descendentes de judeus sefarditas. Porém, mostrou-se convicto de que a CIL já provou cumprir “escrupulosamente” a lei, lembrando até as dúvidas levantadas em relação à obtenção da cidadania do empresário Patrick Drahi, presidente da Altice.

“Esse processo continua exatamente no escritório da comunidade, à espera de que alguém requeira a sua consulta. (…) A CIL fez um comunicado em que confirmou que tinha feito esse processo em 2015 e que estaria à ordem das autoridades. Não temos nada a esconder”, notou, assegurando que nenhuma autoridade pediu até ao momento a sua consulta e criticando a suspeita lançada sobre este processo: “Patrick Drahi não precisava de passaporte português, já era cidadão francês. Foi lançada maldosamente e não há qualquer comparação”.

O decreto-lei 26/2022, publicado em março em Diário da República e que regulamentou a Lei da Nacionalidade de 2020, entrou em vigor no dia 15 de abril, mas o artigo referente à obtenção de cidadania por descendentes de judeus sefarditas só vai entrar em vigor “no primeiro dia do sexto mês seguinte ao da sua publicação”, ou seja, 1 de setembro de 2022.