O Papa Francisco alertou esta quarta-feira para os perigos de “confundir o bem-estar” do corpo “com a alimentação do mito da juventude eterna” e salientou que “a velhice tem uma beleza única”, classificando a terceira idade como “um tempo especial”.

Na audiência geral semanal na Praça de São Pedro, o Papa Francisco citou até a atriz italiana Anna Magnani, uma das grandes figuras da representação italiana do século XX, que morreu em 1973 aos 65 anos de idade e que recusou que lhe disfarçassem as rugas do rosto por ter precisado de “tantos anos para as ter”.

“A técnica deixa-se atrair por este mito de todos os modos: à espera de derrotar a morte, podemos manter o corpo vivo com medicamentos e cosméticos, que abrandam, escondem, removem a velhice. É claro que o bem-estar é uma coisa, a alimentação do mito é outra. Não se pode negar, contudo, que a confusão entre os dois aspetos nos está a causar confusão mental. Confundir o bem-estar com a alimentação do mito da juventude eterna. Faz-se tanto para recuperar esta juventude: muitas maquilhagens, tantas cirurgias para parecer jovem”, disse o Papa Francisco.

“Vêm-me à mente as palavras de uma sábia atriz italiana, Anna Magnani, quando lhe disseram que deveriam tirar-lhe as rugas, e ela respondeu: ‘Não, não lhes toqueis! Foram necessários tantos anos para as ter: não lhes toqueis’. É isto: as rugas são um símbolo da experiência, um símbolo da vida, um símbolo da maturidade, um símbolo de ter percorrido um caminho. Não lhes toqueis para vos tornardes jovens, mas jovens de rosto: o que importa é toda a personalidade, o que interessa é o coração, e o coração permanece com aquela juventude do vinho bom, que quanto mais envelhece, melhor é”, acrescentou o líder da Igreja Católica.

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O Papa Francisco falava, na sua audiência geral de quarta-feira, a propósito de uma passagem do Evangelho segundo São João que retrata o encontro de Jesus Cristo com o chefe judeu Nicodemos. Nessa conversa, “Jesus diz a Nicodemos que para ‘ver o reino de Deus’ é preciso ‘nascer do alto'”, mas Nicodemos interpreta erradamente as palavras de Cristo, assumindo que é necessário renascer uma e outra vez.

“Não se trata de nascer de novo, de repetir a nossa vinda ao mundo, esperando que uma nova reencarnação reabra a nossa possibilidade de uma vida melhor. Esta repetição não tem qualquer significado. Aliás, esvaziaria a vida que vivemos de todo o significado, apagando-a como se fosse uma experiência falhada, um valor caducado, um descarte. Não, não é isto, este nascer de novo do qual fala Jesus: é outra coisa”, corrigiu o Papa Francisco.

“De facto, ser idoso não só não é obstáculo ao nascimento do alto do qual Jesus fala, mas torna-se o momento oportuno para o iluminar, libertando-o do equívoco de uma esperança perdida. A nossa época e a nossa cultura, que mostram uma tendência preocupante para considerar o nascimento de um filho como uma simples questão de produção e reprodução biológica do ser humano, cultivam então o mito da juventude eterna como a obsessão — desesperada — de uma carne incorruptível”, criticou o líder da Igreja.

“Por que é a velhice — de muitos modos — desprezada? Porque traz a prova irrefutável do abandono deste mito, que nos faria regressar ao ventre da mãe, para sermos eternamente jovens no corpo”, destacou.

“Gostaria de sublinhar esta palavra: a ternura dos idosos”, disse ainda o Papa, de 85 anos. “Observai como um avô ou avó olha para os netos, como acaricia os netos: aquela ternura, livre de todas as provas humanas, que superou as provações humanas e capaz de oferecer gratuitamente o amor, a proximidade amorosa de uns aos outros. Esta ternura abre a porta para compreender a ternura de Deus. Não nos esqueçamos que o Espírito de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Deus é assim, sabe acariciar. E a velhice ajuda-nos a compreender esta dimensão de Deus que é ternura. A velhice é o tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática, é o tempo da ternura de Deus que cria, cria um caminho para todos nós.”

“Quando pensamos na velhice desta maneira, dizemos depois: por que então a cultura do descarte decide pôr de lado os idosos, considerando-os não úteis? Os idosos são mensageiros do futuro, os velhinhos são mensageiros da ternura, são mensageiros da sabedoria de uma existência vivida. Vamos em frente e olhemos para os idosos”, terminou Francisco.