As companhias Trincheira Teatro e Bandevelugo vão levar a cena, em Oliveira de Azeméis e Coimbra, O Tardo, peça com textos do escritor Afonso Cruz que se inspira naquela personagem mítica do norte do país para falar do tempo.

O espetáculo estreia-se na sexta-feira, na Capela Nossa Senhora das Flores, em Travanca (Oliveira de Azeméis), onde também estará no sábado, seguindo-se nos dias 17 e 18 a apresentação nas ruínas das Minas do Pintor, em Nogueira do Cravo (Oliveira de Azeméis), e a 24 e 25 no Pavilhão dos Pereiros, em Coimbra, sempre às 21h30.

O Tardo, que conta com textos de Afonso Cruz, é a primeira coprodução dos coletivos Trincheira Teatro e Bandevelugo, de Coimbra e Oliveira de Azeméis, respetivamente, compostos por profissionais que estudaram na Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC). O título remete para a personagem mítica o tardo, comum na região norte do país, nomeadamente na zona entre Oliveira de Azeméis e Arouca, e sobre a qual João Amorim, que encena a peça, ouvia a sua avó falar.

“O tardo é capaz de ser a mais difusa das personagens míticas. Assume muitas formas completamente diferentes, seja um espírito mais brincalhão de desarrumar a casa ou um espírito de assustar e obrigar as pessoas a ficar em casa. Havia essa figura opressiva de manter as pessoas dentro de casa ou de alertar as crianças para o perigo do mundo”, disse à agência Lusa o encenador, realçando que a equipa ouviu também as pessoas da região para recolher informação sobre a figura.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O único ponto comum nos relatos que recolheram foi o de ser “uma personagem que surge à noite”, explicou. Apesar de o espetáculo ter como nome a figura, o seu nome é dito “apenas uma ou duas vezes no espetáculo” e ninguém o irá ver. “Uma premissa que tínhamos desde início era o de não querer construir uma imagem dele. O Afonso Cruz escreveu algo que por acaso não está no espetáculo — ‘A luz matou o tardo’ — e nós achámos que construir uma imagem dele seria talvez matá-lo”, salientou.

O espetáculo acaba por se basear numa ideia lançada pelo escritor de o tardo ser “um labirinto entre os humanos e deus”, com as personagens a surgirem “baralhadas ou perdidas”. O Tardo acabou por tornar-se “mais uma questão relacionada com o tempo e o ritual que usa a matéria do tardo para propor uma experiência mais relacionada com o vagar, com as sensações”, aclarou, sublinhando que, caso as pessoas saiam esclarecidas sobre o que é o tardo no final do espetáculo, então “o espetáculo terá falhado”.

Nesse sentido, as apresentações em Oliveira de Azeméis decorrem em “sítios abandonados ou muito isolados para se tentar criar uma experiência sensorial”, aproveitando uma capela isolada e as ruínas de uma antiga mina de arsénio. O espetáculo acaba por sublinhar o contexto em que o tardo surge, “porque havia vagar, silêncio, ausência de luz”, em contraponto com o tempo atual.

Depois destas apresentações, os dois coletivos têm vontade de levar o espetáculo a mais lugares, com João Amorim a realçar que há uma ideia de adaptar o espetáculo para espaços fechados, a pensar no inverno, “a altura ideal” para se falar do tardo.