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Pussy Riot: um palco pela liberdade, custe o que custar

Este artigo tem mais de 1 ano

Provocaram um sismo na Casa da Música, numa atuação que conjugou vídeo, som e performance punk e que apontou setas a um alvo bem preciso: Vladimir Putin. Agora, a dose repete-se em Lisboa.

Numa encenação de sete atos, mais o encore, as Pussy Riot cuspiram um "spoken word" cortante para uma casa que estava a três quartos
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Numa encenação de sete atos, mais o encore, as Pussy Riot cuspiram um "spoken word" cortante para uma casa que estava a três quartos

Alexandre Delmar

Numa encenação de sete atos, mais o encore, as Pussy Riot cuspiram um "spoken word" cortante para uma casa que estava a três quartos

Alexandre Delmar

“A liberdade não existe se não lutarmos diariamente por ela”. A frase é uma das últimas a aparecer na tela gigante que acompanha este espetáculo, apresentado em palco pelo produtor Alexander “Sasha” Cheparukhin como um protesto punk em forma de performance. “Comportem-se do jeito mais punk possível”, pediu, e o público, no primeiro aplauso da noite, jorrou plateia abaixo aproximando-se das filas da frente para comungar deste protesto. Não que tivesse havido algum tipo de insurreição, até porque a Sala Suggia empresta um certo formalismo ao ambiente que praticamente castra os ímpetos mais anárquicos. Talvez numa sala 2 a conversa tivesse sido outra. Ainda assim, houve chuva vinda do palco a molhar as cabeças de quem se abeirou dele.

Falemos, pois, de liberdade. As Pussy Riot andam desde 2011 a lutar por ela. Foi por ela que subiram ao altar da Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, em fevereiro de 2012; foi por ela que foram para a prisão; foi por ela que saltaram a fronteira, fato de estafeta vestido, primeiro Bielorrússia, depois Lituânia, por fim a querida velha Europa ocidental, para lhe (nos) berrar aos ouvidos, quiçá ensurdecidos pela idade, anestesiados pela indiferença, de que na Rússia não há liberdade de expressão há mais de dez anos. A guerra acordou-nos da letargia, deixaram bem claro na conferência de imprensa da passada segunda feira e, embora o lembrete estrondoso, há quem ainda assobie para o lado, porque o gás e o petróleo fazem muita falta e não há causa que resista quando o frio nos entra pela casa adentro.

Não há causa que resista, ponto e vírgula: Maria Alekhina, conhecida por Masha, ali diante de nós, sentiu o frio na pele, em Perm, às portas dos montes Urais, onde antes havia gulags e agora centros de correção. Esteve lá durante 21 meses, dias incontáveis em solitária, privada do sono, a trabalhar mais de 18 horas por dia, seis dias por semana, com uma greve de fome no corpo – “a primeira greve de fome é como o primeiro grande amor, confuso, mas ainda assim vale a pena”, disse algures durante o concerto — e tudo porque, com pouco mais de vinte anos, percebeu que a liberdade não existe se não lutarmos diariamente por ela.

Houve chuva vinda do palco a molhar as cabeças de quem se abeirou dele

alexandre delmar

“Riot Days” é exatamente sobre essa luta. Durante uma hora, as Pussy Riot – aqui representadas por Masha, Diana Barkof, Olga Borisova e pelo saxofonista Anton Ponomarev – contaram a sua história, desde o dia em que subiram à Praça Vermelha — “éramos oito”, notam, como os oito dissidentes que protestaram nessa mesma praça, em 1968, contra a invasão da Checoslováquia pela União Soviética — até aos quase dois anos passados na prisão, condenadas por hooliganismo e incitação ao ódio religioso. Dessa experiência resultou um livro, Riot Days, publicado em várias línguas, inclusivamente em português do Brasil, um encontro com Sasha, vários ensaios e um espetáculo cuja última apresentação antes desta tour tinha sido em São Paulo, em janeiro de 2020, mesmo antes da pandemia congelar o mundo.

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A reedição da performance foi precipitada pela invasão da Ucrânia, que na Rússia é designada de operação militar especial (quem usar o termo “guerra” arrisca-se a apanhar até 15 anos de prisão). Esta é, portanto, uma tour contra a guerra, contra Putin, um manifesto pró Ucrânia, cimentado pelas balaclavas amarelas e azuis com que se anunciaram em palco, pela “Anti-war song” do encore e pelos donativos a favor da “melhor instituição médica da Ucrânia”, o centro pediátrico de Kiev. É para lá que parte da receita de bilheteira e do merchandising vai. À meia-noite e meia, Masha ainda estava a assinar T-shirts e posters. Quem não quis ficar na fila, que se alongava num Z pelo bar da Casa da Música, pôde sempre guardar no telemóvel o QR Code exibido no início e no final do espetáculo e a partir do qual é possível submeter donativos (este mesmo).

“Mãe de Deus, afasta o Putin”, rezam, cuspindo nos valores da Igreja Ortodoxa russa, luta feminista a abalar o poder patriarcal

alexandre delmar

Alguns não só não quiseram ficar na fila, como também não quiseram ficar na plateia até ao final do espetáculo. Pelo canto do olho, vimos pelo menos quatro pessoas a abandonar a sala, talvez desconcertadas com o que se passava à sua frente. Numa encenação de sete atos, mais o encore, as Pussy Riot cuspiram um spoken word cortante para uma casa que estava a três quartos: língua russa a rasgar os ouvidos, berros que nos torturaram como os violinos de Penderecki  no seu “Threnody to the Victims of Hiroshima”, legendas em brasileiro para nos guiar no frenesim das imagens projetadas, saxofone ácido, batida eletrónica a marcar o ritmo, ora desenfreado ora mecânico, fazendo-nos quase vomitar o desespero e a dor alheia que ali também tomámos como nossa – será que tomámos?

“Os europeus têm que perceber que todos nós precisamos de prescindir um pouco do nosso conforto para conseguirmos derrotar Putin”, comentava Polina, russa a viver no Porto há nove meses, já Masha dava autógrafos no bar. Ao contrário de quem saiu antecipadamente da sala, ela foi até à Casa da Música para encontrar algum conforto. Conforto na sua luta, na sua pátria, não naquela que vive sob o jugo do Kremlin, mas na que resiste. “Há pessoas neste momento na Rússia a serem presas só por darem um “like” em determinadas publicações nas redes sociais”, dizia-nos com o marido ao lado, Hamil, também ele artista como as Pussy Riot, também ele cancelado no seu próprio país.

Esta quinta-feira há um novo concerto, desta feita em Lisboa, no Capitólio

alexandre delmar

E aqui voltamos à liberdade e à firme crença de que a revolução, segundo as Pussy Riot, corrobora Polina, está a acontecer agora. “A história em que o presidente se transforma num imperador não nos convém”. Elas não querem andar na rua com o ditador de ninguém. “Mãe de Deus, afasta o Putin”, rezam, cuspindo nos valores da Igreja Ortodoxa russa, luta feminista a abalar o poder patriarcal, mostrando que não têm nada a temer, nem o inferno do sistema, nem a morte. “Se estás a lutar contra um ditador, tens que lhe mostrar que estás disposta a lutar até ao fim”, declarou Nadya Tolokonnikova numa recente entrevista ao The Guardian, ela que esteve na primeira presença das Pussy Riot em Portugal, em 2018, no Festival Vodafone Paredes de Coura.

Masha não se terá lembrado disso quando declarou que esta era a primeira tour que elas faziam no nosso país. Não há problema, está perdoada, o público ovacionou-as de pé. “Ukraine, I love you” ainda se ouviu antes do “obrigada” final. Esta quinta-feira há um novo concerto, desta feita em Lisboa, no Capitólio, às 21h30 (€22). Será novamente pregada a palavra das Pussy Riot, “A Rússia será livre”, dizem, recordando um boletim de voto rasurado por Masha. Mãe de Deus as ouça.

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