Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que há 100 anos realizaram a primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul (TAAS), entraram no mesmo ano na Assembleia da República ao som de “vivas” e aplausos, com os deputados rendidos ao feito destes heróis.

A sessão solene em honra dos aviadores, que em 17 de junho de 1922 chegaram ao Rio de Janeiro, Brasil, concluindo assim esta pioneira travessia, decorreu em 7 de novembro desse mesmo ano, perante uma plateia de deputados eufóricos com o feito.

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Esta sessão extraordinária do Congresso (atual Assembleia da República) foi presidida por José Joaquim Pereira Osório, presidente do Senado (I República) e contou com a participação dos aviadores que, quando entraram na sala, foram “recebidos com grandes salvas de palmas e vivas”, conforme o Diário do Congresso, consultado pela Lusa.

“Toda a assistência se levanta. Aplausos gerais. Palmas. Calorosas vivas aos homenageados, à República do Brasil, à Pátria e à República Portuguesa. A manifestação prolonga-se durante alguns minutos”, lê-se no documento.

Coube a José Joaquim Pereira Osório usar da palavra para homenagear os “bravos e heroicos marinheiros”, ressalvando que o Parlamento “nunca ofereceu mais, nem melhor, a quem quer que fosse”.

“Jamais sonhei ter a grande honra de presidir a tamanha solenidade, e se este facto, o maior da minha vida, me desvanece, também me perturba o espírito por ter a consciência do apoucado dos meus recursos que empalidecem, em vez de lhe dar brilho, a cerimónia que deveria ser uma grande apoteose, desde o seu início”, prossegue.

Para o orador, Gago Coutinho e Sacadura Cabral engrandeceram “a História Pátria, escrevendo nela uma das suas mais brilhantes páginas, e os efeitos desse ato sobre a vida parlamentar”.

Garantiu José Joaquim Pereira Osório que os representantes eleitos do povo acompanharam os aviadores desde que estes partiram de Lisboa até aterrarem no Brasil, acompanhando-os “em espírito” e “elevando religiosamente” até eles as suas almas, sofrendo todas as amarguras e gozando todas as alegrias.

“Se a transmissão do pensamento é uma realidade, o pensamento coletivo de todos os parlamentares vos acompanhou e protegeu na derrota através do espaço imenso”, adiantou.

E prosseguiu: “Ainda nos momentos de contrariedade que embaraçaram a viagem, nunca aqui foi proferida uma palavra de desalento e desânimo, sofrendo todos num recolhimento angustioso e místico o desgosto da má notícia, certos como estávamos de que, a seguir, viria a boa nova mitigar a dor, tamanha era a confiança que tínhamos no vosso valor, inteligência e saber”.

Contou o presidente do Senado que, quando foi conhecida a “notícia satisfatória”, os trabalhos parlamentares foram interrompidos “e de todos os lados das Câmaras se pronunciavam sentidas e eloquentes palavras de respeito e admiração” pelos aviadores.

Os parlamentares sempre tiveram consciência “da grandeza e alcance da obra que os maiores portugueses dos tempos modernos vinham realizando, desmentindo assim os tímidos, os pessimistas e os velhacos que diziam estar decadente a raça lusitana pela perda das suas mais lídimas virtudes”, disse.

E enfatizou: “Não, a nossa raça mantém intactas as suas incomparáveis qualidades”.

Para José Joaquim Pereira Osório, Gago Coutinho e Sacadura Cabral ganharam o seu lugar na “galeria de heróis” da pátria portuguesa.

A saudação aos “ilustres aviadores portugueses” estendeu-se depois aos “ilustres chefes de Estado das duas Repúblicas irmãs, Brasil e Portugal, pela maneira eloquente e patriótica como souberam exaltar o vosso assinalado feito, encarnando integralmente as almas dos dois povos, que é afinal uma só”.

A primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul (TAAS) começou às 06:45 de 30 de março de 1922, a partir da rampa do Centro de Aviação Naval, na Doca do Bom Sucesso, em Lisboa.

Os dois aventureiros, que já tinham trabalhado juntos em África, utilizaram três aviões e pararam em Las Palmas (Canárias) e São Vicente (Cabo Verde), antes de atingirem o Brasil no chamado “grande salto”, que durou 11 horas e 21 minutos.

Ao todo, Gago Coutinho (navegador) e Sacadura Cabral (piloto) percorreram 4.527 milhas náuticas (8.484 quilómetros), em 62 horas e 26 minutos.