A hotelaria acredita que a falta de mão-de-obra já ultrapasse os 15.000 trabalhadores estimados em 2021, mas este é um problema global, lembra a AHP, defendendo que o Estado repense o “custo” associado a cada profissional.

“Nós fizemos o último balanço em novembro, na altura do congresso [da AHP], e se pecámos foi por defeito. Na altura tínhamos dito que só para a hotelaria, diretamente, para o momento, as estimativas eram e 15.000 trabalhadores diretos”, afirmou a vice-presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Cristina Siza Vieira, em declarações à Lusa, em Lisboa.

Apesar de ressalvar que o número pode já não estar atualizado, Siza Vieira referiu que face ao nível da procura e à expectativa de taxas ocupação, “é natural que ainda tenha crescido mais”. No entanto, a carência de recursos humanos na hotelaria não é uma questão verificada apenas em Portugal.

“Espanha diz que faltam 150.000, França 350.000 e Itália 250.000. O Reino Unido está a braços com uma das maiores crises de sempre por causa do ‘Brexit’ e da fuga de emigrantes. Os EUA queixam-se da mesma coisa. Miami está mesmo na rutura”, apontou.

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Segundo a associação, isto prende-se com o aumento da carga de trabalho, causando um desequilíbrio entre a vida profissional e pessoal, embora sublinhe que os salários também aumentaram.

A isto soma-se o “inverno demográfico”, com o nascimento de menos bebés em Portugal, bem como a pandemia de covid-19, que levou os profissionais para outros setores. “A hotelaria sacrifica muito os nossos tempos livres. A hotelaria trabalha quando os outros estão em lazer. Depois havia também a situação dos salários baixos para a carga de trabalho, mas estão a crescer. As pessoas trabalham mais e ganham mais. Há menos pessoas, por isso, ganham mais”, apontou.

Para a vice-presidente executiva da AHP, mesmo que os salários continuem a aumentar, a hotelaria vai continuar a ter dificuldade em cativar mão-de-obra, uma vez que “a carga de trabalho é pesada”.

Assim, conforme defendeu, “é preciso gostar”, mas também ter um plano de carreira e um “outro tipo de salário emocional”, com recompensas e maior equilíbrio, acrescentando que este é um “momento de viragem”. Cristina Siza Vieira defendeu ainda o recurso à imigração, a mobilidade entre trabalhadores, a entrada em vigor dos acordos com a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e o recurso a trabalhadores estudantes.

Entretanto, na quarta-feira, o Governo aprovou um regime de facilitação para a emissão de vistos em Portugal para os Cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP).

Em conferência de imprensa, após o Conselho de Ministros, na quarta-feira, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, avançou que vai passar “a haver uma facilitação da emissão” no âmbito da concessão dos vistos de curta duração de estada temporária e vistos de residência para cidadão abrangido pelo acordo da CPLP.

“O consulado pode consultar diretamente o sistema de informação Schengen. Em consequência do âmbito da concessão do visto de estada temporária e visto para cidadão estrangeiro dispensa-se agora o parecer prévio do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que a lei atribui”, explicou a ministra.

Para o cidadão abrangido pelo acordo CPLP e que já se encontre em Portugal, a proposta de lei prevê “a possibilidade de requer a autorização de residência temporária em território nacional” e os titulares do visto de estada temporária ou que tenham entrado legalmente em Portugal podem requer no país a autorização de residência CPLP, indicou a governante.

Em reação também na quarta-feira, Cristina Siza Vieira disse à Lusa que as medidas aprovadas para a facilitação de imigração são “fundamentais” para o setor, mas alertou que é preciso eliminar a intervenção do SEF.

“É o primeiro passo para implementar o acordo de mobilidade no âmbito da CPLP”, indicou, apontando que esta simplificação “no âmbito do perímetro da CPLP era fundamental e deveria apenas verificar-se aquelas condições básicas, uma promessa de contrato de trabalho, a prova de residência e o certificado de registo criminal limpo”.

A vice-presidente executiva da AHP sublinhou que “o trabalho é de desburocratizar e eliminar a intervenção do SEF”, reconhecendo que “já foi um bocadinho tarde, mas mais vale tarde do que nunca. Para este verão já é bastante complexo, as medidas poderão estar no terreno, mas a vinda dos cidadãos da CPLP é que pode não ser tão rápida”, referiu. No que se refere às soluções para mitigar a falta de trabalhadores no setor, a AHP sublinhou ainda que o “custo de um trabalhador para a empresa é pesadíssimo”, devendo o Estado repensar esta questão.

A AHP acredita que “ainda há muito a fazer por parte das empresas” e que a solução também pode passar pela adaptação do trabalho aos colaboradores, apesar das dificuldades que isto pode trazer para as cadeias hoteleiras.

“O salário é um indicador de referência, mas também há um certo ‘glamour’ que um chefe tinha e tem e um ‘garçon’ não tem. Estas [profissões do setor da hotelaria], às vezes, são funções transitórias, o que também traz muitas dificuldades para as empresas […]. Não sei, muito bem, quais as soluções do cardápio, mas estamos num momento de viragem e vão surgir muitas oportunidades”, concluiu.

Os hotéis apresentam uma taxa de ocupação entre 40% e 59% para os meses de junho a setembro, penalizada, sobretudo, pela região Centro, segundo um inquérito da AHP, divulgado em 06 de junho. Em 21 de novembro de 2021, a Associação da Hotelaria e Restauração (AHRESP) disse que faltavam mais de 40.000 trabalhadores no setor.

Na mesma altura, o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) admitiu, em entrevista à agência Lusa, que o problema de falta de recursos humanos é uma realidade no setor, onde até à pandemia até estava a ser ‘sexy’ trabalhar, mas que desde então ficou “congelado”.

Na quarta-feira, em reação às medidas do Governo, a CTP aplaudiu o decidido, mas alertou para a necessidade de desburocratizar a administração pública. Em resposta escrita à Lusa, a CTP disse congratular-se “com a medida anunciada pelo Governo de criação do visto para a procura de trabalho, que permite aos estrangeiros entrarem e permanecerem no nosso país durante seis meses, e a eliminação do regime de quotas para a imigração”.

No entanto, alertou o presidente da CTP, Francisco Calheiros, “para que esta medida seja efetiva é necessário que as estruturas da administração pública que terão responsabilidades nesta matéria estejam devidamente desburocratizadas e que sejam céleres na tomada de decisão, por forma a evitarem-se os problemas que existiram, por exemplo, com a emissão excecional de vistos aos cidadãos ucranianos oriundos do conflito armado”.