Tudo começou com a necessidade de ter um controlo em real time numa das áreas da produção de carroçarias de determinado modelo da Volkswagen. “Queríamos controlar, de uma forma mais automática, a colagem do capot”, diz Gisela Garcia. “O capot leva um cordão de cola ao longo do seu perímetro e esse cordão é feito por uma máquina específica. Contudo, o controlo era visual e só o conseguíamos fazer posteriormente à aplicação dessa cola.” A líder de inovação da AutoEuropa, sediada em Palmela, convidada do 11º episódio do programa “O Regresso da Indústria”, emitido pela Rádio Observador, explicou assim que a intenção era encontrar um sistema que funcionasse como apoio à decisão humana e que evitasse ter de deitar fora chapas mal coladas.

Daí a recorrer ao know-how da Introsys, uma empresa que já tinha dado provas de competência como parceira da AutoEuropa, foi só um pequeno passo. Desafiada a controlar a qualidade de uma forma automática e, de preferência, que ocorresse durante o processo de aplicação da cola, a Introsys desenvolveu um software, concebido depois de várias reuniões e visitas ao chão de fábrica, onde decorre a produção dos automóveis.

Raquel Caldeira, da Introsys, relatou que, no fim da fase de testes, optou-se por aplicar dois sistemas de inspeção: “Colocámos um conjunto de câmaras num anel, que é o sistema de inspeção de cola inline, ou seja, realizado durante a aplicação do robot. Quando este aplica a cola, é logo feita a inspeção. E também um sistema offline, que é realizado após a aplicação.” Ou seja, o sistema consegue fazer a inspeção, a monitorização e ainda corrige alguns tipos de falhas, como interrupções do cordão de cola ou borrões.

O casamento entre tecnologia de ponta, mais recente, e tecnologia já conhecida serviu de base aos bons resultados que o projeto alcançou. As câmaras, por exemplo, existem no mercado há algum tempo, assim como a metodologia, que inclui um sistema offline muito utilizado apesar de ainda haver poucas aplicações em fábricas. O processo inline, de verificação em tempo real da qualidade da aplicação, é um produto desenvolvido pela Introsys que até já o registou como marca. Já os algoritmos de aprendizagem – que adicionam uma camada de inteligência para que o sistema perceba quais as imagens corretas quando confrontado com uma grande diversidade de alternativas -, é integralmente tecnologia de ponta.

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Mas obter resultados positivos nem sequer foi o fator mais importante para a AutoEuropa. “Este projeto teve, acima de tudo, uma dimensão de mostrar que é possível fazer inspeções automáticas e preditivas na linha de produção das carroçarias”, explicou Gisela Garcia. “Mais do que propriamente os resultados deste projeto em concreto, interessou-nos a parceria que fizemos com a Introsys e que, inclusive, já deu frutos em outros projetos que temos a decorrer.”

O projeto-piloto de controlo de qualidade também foi útil para introduzir novas tecnologias na fábrica, sensibilizando e formando os operadores na linha de produção. “Tem uma grande componente de experimentação e de levar alguma incerteza para o chão de fábrica para que também os colegas da produção tenham a possibilidade de aportar valor e feedback naquilo que é o início da investigação e do desenvolvimento, e não receberem as soluções só quando já estão comercialmente desenvolvidas,” adiantou a líder de inovação da AutoEuropa, apostada em formar equipas para um mundo mais digital. “Mais requalificação, deixando de fazer um trabalho tão repetitivo e passando a ter um trabalho mais variado em termos de conteúdo mas que implica algumas competências digitais e que, obviamente, terão de ser dadas. Se bem que os sistemas que normalmente são desenvolvidos têm imagens bastante fáceis de manusear e interpretar.”

“Utilização mais sustentável dos recursos porque produzimos menos sucata”

“Tudo o que são estratégias ‘zero defeitos’, além de ter um impacto direto na competitividade da própria empresa, porque nos tornamos mais eficientes, tem obviamente impacto na utilização mais sustentável dos recursos porque produzimos menos sucata e há menos desperdício no processo produtivo”, reverlou Gisela Garcia. “Ao tornarmo-nos mais eficientes obtemos, não só grandes benefícios económicos, como também de sustentabilidade ambiental.”

E esta é uma vantagem que não favorece apenas a AutoEuropa de Palmela. A líder de inovação garantiu que já espalhou os resultados: “Dentro do grupo Volkswagen existe um processo interno bastante robusto e sustentado de partilha de boas práticas. Divulgamos para o mundo Volkswagen todos os projetos que temos e que chegam a bom porto, cujos os resultados são interessantes.”

O Regresso da Indústria é uma série de programas que resulta de uma parceria entre a Rádio Observador e a COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, num projecto co-financiado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Cada episódio é transmitido de 15 em 15 dias, às quartas-feiras, na Rádio Observador (nas frequências 93.7 e 98.7 em Lisboa, 98.4 no Porto e 88.1 em Aveiro) e pode depois ser escutado como podcast. Também às quartas-feiras é publicado quinzenalmente um artigo no Observador com o essencial do programa da semana anterior.