O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, assumiu nesta segunda-feira que a União Europeia (UE) precisa de contrariar melhor a “narrativa falsa” de Moscovo sobre a segurança alimentar, que admitiu estar a ganhar “alguma tração”, designadamente em África.

A Rússia está a utilizar a fome em outras partes do mundo como forma de aumentar a sua pressão, é um instrumento de guerra contra a Ucrânia. E está, em simultâneo, a tentar desenvolver uma narrativa que associa, erroneamente, sanções ocidentais ao impacto sobre a segurança alimentar mundial”, declarou João Gomes Cravinho à imprensa, à margem de um Conselho de chefes de diplomacia da UE, no Luxemburgo.

Apontando que esta reunião foi muito focada nas “consequências geopolíticas da invasão da Ucrânia pela Rússia”, o ministro observou que “o resto do mundo naturalmente olha não só para as causas (…) mas também para aquilo que tem sido o impacto, nomeadamente em termos de segurança alimentar”, com a atual ameaça de penúria de cereais à escala global muitas vezes a ser atribuída aos pacotes de sanções aplicados pelo Ocidente a Moscovo, tal como alega o Kremlin.

Esse ângulo foi também discutido com o chefe da diplomacia do Egito, Sameh Shoukry, presente no Luxemburgo por ocasião do Conselho de Associação UE-Egito, assinalando Gomes Cravinho que aquilo que os 27 tiveram “o cuidado de explicar ao colega egípcio, e que faz parte do plano de ação da UE, é uma contranarrativa que demonstra de forma absolutamente meticulosa que as consequências sobre segurança alimentar no resto do mundo são resultado exclusivo das ações da Rússia”.

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Sublinhando uma vez mais que o atual bloqueio “não tem a ver com sanções, até porque as sanções excecionam a possibilidade de escoamento de produtos agrícolas“, o chefe da diplomacia portuguesa advertiu então que “os russos têm sido bastante eficazes a desenvolver a sua narrativa falsa sobre as sanções”.

“Recentemente, o presidente da União Africana, o Presidente do Senegal [Macky Sall] esteve em Moscovo e infelizmente não tinha informação suficiente para contrariar os argumentos que lhe foram apresentados pelo Presidente [Vladimir] Putin. O nosso papel é demonstrar que esses argumentos são falsos e há todo um trabalho agora a fazer. Aquilo que acordámos foi que, entre os 27, e também com o próprio Alto Representante [Josep] Borrell, faríamos os nossos esforços de demonstração aos nossos colegas africanos em relação àquilo que é a realidade no terreno”, disse.

Assumindo que “é preciso mais trabalho, porque, infelizmente, a narrativa russa tem ganho alguma tração, embora seja falsa”, o ministro disse que Portugal também fará a sua parte.

“Portugal tem um contacto muito próximo com um conjunto de países no continente africano e também com países na América Latina, e o fundamental é demonstrar, com os nossos argumentos — e temos todo um argumentário pronto –, que as consequências resultam não das ações da UE, mas pelo contrário, das ações da Rússia”, insistiu.

Relativamente à questão da segurança alimentar na cena global à luz do conflito na Ucrânia, destacou que a UE já aprovou um plano de ação “para ajudar países noutras partes do mundo a fazer face às consequências”, com “o desenvolvimento de um conjunto de iniciativas relacionadas com o apoio à segurança alimentar em África, com as chamadas linhas de solidariedade que procuram ajudar a Ucrânia a escoar a sua produção agrícola”.

Sobre esta questão do escoamento, apontou que “há várias linhas de ação que estão atualmente a ser desenvolvidas”, sendo que “as negociações para o desbloqueio marítimo estão a ser lideradas pelas Nações Unidas, que estão em diálogo com a Rússia e com a Turquia para ver se é possível retirar cereais através do porto de Odessa”, até porque, defendeu, “o desbloqueamento dos portos é um problema que deve ter solução diplomática, e não militar“.

“Por terra, há um plano de ação por parte da UE, que tem a desvantagem naturalmente de tratar de volumes mais pequenos, pois é mais difícil escoar por terra, por comboio, mas é o possível nesta fase”, disse.