Trinta e dois por cento dos associados da COTEC Portugal aderiram nos últimos seis anos à principal associação empresarial do país. Para o diretor-geral, Jorge Portugal, esta é uma constatação que se traduz “num bom momento de intervenção” e de renovação empresarial. Ou seja, é a altura ideal para atirar o tema do regresso da indústria para a ribalta.

O responsável da COTEC falava disso na última edição desta temporada do podcast “O Regresso da Indústria”, conduzido pelo jornalista Paulo Ferreira. Afinal, trata-se de uma atividade essencial ao progresso e é preciso combater “aquilo em que, em alguns momentos, se chamou os efeitos da desindustrialização da Europa.” É necessário inverter o processo de declínio da fabricação porque a indústria é cada vez mais “um motor de inovação, um motor de crescimento da produtividade da economia, um motor de emprego”. E é um motor que todos os blocos – Europa e todos os seus concorrentes -, procuram reforçar para garantir, “não só a competitividade mas também a elevação dos salários e dos níveis da qualidade de vida das suas populações”.

“Os últimos dois anos foram particularmente significativos do ponto de vista da manifestação dos riscos daquilo que é a dependência de outras fábricas”, contou Jorge Portugal, acrescentando que se tornou crucial não ficarmos tão dependentes de cadeias de distribuição como tem acontecido até aqui. “Este regresso da indústria, é absolutamente crítico para uma economia resiliente, uma economia mais produtiva e, com isso, uma economia com maior autonomia estratégica,” concluiu.

Recentemente, a COTEC Portugal, que desde 2003 engloba empresas em vários setores de atividade, fez um inquérito aos seus associados para ficar a saber por que razão aderiram à associação. Destacaram-se quatro respostas que, segundo aquele responsável, definem bem a importância da inovação e da colaboração para a animar e fortalecer a indústria. A primeira resposta foi “estar a par da inovação na indústria em Portugal e no mundo.” As empresas associadas consideram que essa inovação “é um centro de conhecimento” e têm a noção de que Portugal é um espaço integrado no mundo. “Tem muito a ver com aquilo que tem sido a abertura da indústria e da economia portuguesa ao mundo”, disse o diretor-geral, explicando que as empresas associam a COTEC à dinâmica internacional da indústria. “Há uma semana tivemos o COTEC Europa, que é exatamente uma das manifestações desta dimensão internacional da COTEC.”

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A segunda resposta remeteu, claramente, para a questão da inovação. “Desta ideia de trazer a transformação digital como elemento fundamental de ganho de produtividade e de inovação.

Em terceiro lugar surgiu a resposta que o diretor-geral indica como a razão mais óbvia: ”Ter contacto com outras organizações e trocar experiências. Muitas vezes a inovação não está no setor de atividade da empresa, está noutro setor e tem de ser trazida”, adiantou. Ou seja, se há um problema que já foi resolvido que é semelhante a um problema que certa empresa tem no seu setor, a COTEC ajuda a levar esta informação a qualquer área da indústria que também precise dessa solução.

A última resposta teve a ver com a disponibilização de ferramentas de gestão. “Não é apenas falar de conhecimento mas é aplicar esse conhecimento na prática em termos de processos de gestão e de inovação”, esclarece Jorge Portugal, adiantando que “o valor do conhecimento é o valor da sua aplicação e da sua transformação em valor comercial.” A inovação é um processo de negócio, é uma competência de gestão. A COTEC desenvolve ferramentas e disponibiliza e cria condições para que haja uma aplicação prática destes processos de gestão e inovação de uma forma estruturada, que facilite a adoção dessas ferramentas por parte das empresas e que diminua o ciclo de introdução e de obtenção de resultados.

É que não basta haver empresas que investem em conhecimento, investigação e desenvolvimento. Essas são qualidades que estão no domínio da invenção. Inovação é uma coisa diferente: “É a aplicação prática desse conhecimento, dessas novas soluções que são valorizadas pelo mercado.” Ainda há muitas empresas que continuam a navegar e a transitar, de uma forma penosa, “no sentido de atravessar o vale da morte”, aquele trajeto que é preciso fazer entre uma solução tecnológica e um produto ou um processo que tem valor de mercado, que é aceite e que permite à empresa conquistar um preço e um espaço de terreno que não tinha anteriormente. Jorge Portugal sublinhou que é preciso “industrializar o produto a uma escala economicamente viável e conseguir vendê-lo a um preço e com os atributos que o mercado realmente valorize.” Sem isso, não existe inovação de sucesso mas apenas tentativas.

“O receio do desemprego e de pessoas substituídas por máquinas”

Jorge Portugal identificou a aceleração da digitalização como o objetivo mais importante neste momento. “Tem de acontecer mais depressa. Portugal está a evoluir positivamente, mas para podermos convergir, temos de andar mais depressa. E é esta aceleração que os empresários intuem que é necessária e que estão a materializar”, disse. As empresas estão agora a perceber onde devem aplicar a digitalização – nuns casos é no chão de fábrica, onde há ganhos de eficiência e de rapidez de ciclo ou de qualidade, noutros é no processo de conceção digital e de simulação dos produtos, em co-criação com os clientes, ou, então, na ligação com a distribuição e com a proximidade, “até porque muitas empresas hoje já decidiram criar canais paralelos para distribuir e para chegar diretamente ao cliente”.

Neste contexto de transformação digital e automação, a relação laboral também está a evoluir. O caminho para as empresas terem custos mais competitivos até poderia ser substituir pessoas por máquinas mas, na prática, não é nada disso que está a acontecer. “Há uma mudança de funções das mesmas pessoas, que passam a fazer tarefas mais criativas e com mais valor acrescentado.”

As empresas associadas da COTEC acreditam que não haverá uma crise profunda de desemprego por via da automação e que esta transição — entre uma economia mais inteligente, onde uma parte das funções físicas e das funções cognitivas vão ser substituídas por algoritmos, máquinas ou robots —, não trará mais desemprego.

O que a História tem ensinado é que a introdução de novas vagas tecnológicas tem sido sempre acompanhada por uma melhoria das condições laborais, da atratividade do posto de trabalho e da remuneração dos trabalhadores.  “O grande problema aqui, é sempre em tudo, é com as transições.” Nas transições assistimos sempre a alguma instabilidade nas sociedades até que estas se adaptem aos novos ambientes laborais. Jorge Portugal apela a uma grande dose de requalificação e redefinição dos trabalhadores para tornar o processo de adaptação pouco disruptivo. Tanto as empresas como o Estado são responsáveis e incontornáveis para levar esse desafio a bom porto. “Para que, à medida que as funções das pessoas vão sendo substituídas por máquinas, as pessoas sejam recapacitadas.”

Neste momento, o que está a verificar-se no tecido empresarial é que as máquinas, os robots e os algoritmos auxiliam e apoiam o trabalho realizado pelos trabalhadores. E também há uma segunda linha de funções em que é absolutamente essencial que esteja um ser humano a executar porque os problemas são mais complexos e é necessário recorrer ao raciocínio crítico e à capacidade de resolução e de intervenção. “Aquela que era a figura do Charlie Chaplin dos tempos modernos, de um trabalhador que desempenhava tarefas standardizadas, sem raciocínio crítico, sem intervenção, sem autonomia, já não existe. Tem de dar lugar a um trabalhador com autonomia, com raciocínio crítico, com conhecimento, exatamente para poder fazer o complemento daquilo que a máquina não consegue fazer.”

“Todas as empresas podem ser líderes de inovação, nenhuma pode ser líder sozinha”

Um dos pontos que mais se destacou nesta temporada de “O Regresso da Indústria” foi a enorme necessidade de colaboração entre entidades. Pelo programa passaram vários casos concretos de inovação colaborativa entre empresas, entre unidades de investigação, entre universidades que desenvolvem soluções em parceria com as empresas, a pedido destas ou, então, de uma forma proativa, de forma a resolver os problemas que se levantam.

“É uma das funções nucleares da COTEC porque, na prática, continuamos a trabalhar para resolver um tema histórico — a colaboração.” Na verdade, as empresas não nascem para colaborar, nascem para concorrer. Continua-se a acreditar que o segredo é a alma do negócio e que a natureza de uma empresa é desconfiar das outras. Mas como é que a COTEC conseguirá mudar este paradigma tão antigo? O diretor-geral garantiu que é essencial pôr as empresas a partilhar. “Este podcast e os casos que trouxemos são casos de inovação em ecossistema, portanto, em colaboração, inovação aberta em que as empresas abrem as suas portas.” Houve uma partilha de segredos, de conhecimento e de recursos do ponto de vista do talento e das competências necessárias. Percebeu-se que, hoje, só é possível resolver problemas e aproveitar as oportunidades, “através de uma abordagem colaborativa, uma abordagem aberta em ecossistema.”

Mas esta participação também tem as suas particularidades: “exige que as empresas saibam trabalhar com entidades externas, saibam trabalhar internamente, saibam  trabalhar com entidades de natureza muito diferente, como as entidades académicas que têm  ciclos de funcionamento e propósitos  diferentes.” As empresas estão agora obrigadas a aprender esta nova competência organizacional que é colaborar. No fundo, é pôr toda a gente a falar com toda a gente. “Mas falar com propósito e com estrutura e com método.”

O Regresso da Indústria é uma série de programas que resulta de uma parceria entre a Rádio Observador e a COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, num projecto co-financiado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Cada episódio é transmitido de 15 em 15 dias, às quartas-feiras, na Rádio Observador (nas frequências 93.7 e 98.7 em Lisboa, 98.4 no Porto e 88.1 em Aveiro) e pode depois ser escutado como podcast. Também às quartas-feiras é publicado quinzenalmente um artigo no Observador com o essencial do programa da semana anterior.