A conversa com os Da Weasel na Academia Almadense já caminhava para a reta final. Quinta-feira, 22h40 da noite, sente-se o carinho de quem já não vê um amigo há muito tempo. Fernando Alvim, moderador da palestra que antecedeu a antestreia do documentário “Da Weasel — Agora e Para Sempre”, pergunta a uma casa cheia de fãs  se alguém quer fazer uma pergunta. Um homem emocionado, almadense de gema, levanta-se e grita bem alto: “Carlão, tu és património de Almada, esta terra está escrita a tinta negra na nossa pele”. Pediu que, depois do dia 9 de julho, data de regresso da mítica banda aos palcos no festival NOS Alive (dia 9 de julho), o primeiro concerto fosse naquela margem do rio Tejo.

Carlão agradece, feliz, mas não se descose. Chuta que “é uma boa ideia”. Quem sabe, fazer como os Ornatos Violeta, que regressaram e fizeram digressões. As doninhas? Pouco mais para já. Nem Carlão, nem Jay, DJ Glue, Guilherme Silva, Virgul ou Quaresma abriram a caixa de Pandora. Está tudo mais concentrado em dar, daqui a duas semanas, “um concerto do caraças”. “Não pensamos no futuro, a responsabilidade é muito grande. Mas nunca estivemos tão bons”, assegurou DJ Glue.

[o trailer do documentário “Da Weasel — Agora e Para Sempre”:]

E se um filho de Almada não consegue arrancar uma notícia aos pródigos músicos, terá de ser um pai. Que assim seja. A genética não engana, já se sabe a quem é que o fã número 1 foi buscar as cordas vocais. “Os Da Weasel não são um grupo, não são uma tendência. Há 15 anos descobri que o meu filho [o rapaz que tinha gritado pela banda 10 minutos antes] tinha uma tatuagem com o vosso nome. Vocês tiraram-no de maus caminhos. Não sou político, mas vocês têm consciência de, até por causa do que se passa agora no mundo, o quanto nós precisamos de vocês?”. A plateia bate palmas, as doninhas ficaram sem palavras. E sem mais revelações — nem sequer adiantaram qual vai ser a primeira canção do alinhamento. “Não vai ser a que vocês estão todos a pensar”, disse Jay.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A banda promete, sim, que está na melhor forma e que esta reunião mostrou que a química continua igual. Neste assunto, estão todos alinhados. “Estamos mais fortes como coletivo. Mesmo deixando de tocar, não deixámos de estar juntos. A química voltou, não parece que estivemos parados”, disse Quaresma. Já sobre “broncas da banda”, isso fica para quando tiverem 80 anos, ao estilo de Quincy Jones. Quanto a perguntas sobre os motivos do fim da banda, nem vê-las. Quem ali esteve queria nostalgia e reencontro, nada mais.

Vamos ao filme, que começa no quarto dos pais de Jay (João Nobre) e Carlão (Carlos Nobre, Pacman para os mais antigos), a escutar Public Enemy. O primeiro experimentou uns beats, o segundo pegou na voz “que não tinha” e lá foram. Carlão tinha facilidade na escrita, bastava olhar para uma parede de posters em Cacilhas e a caneta fazia o seu trabalho. A trupe foi-se juntando. Um baixo, um Armando Teixeira, “o gajo das máquinas”,  uma primeira maquete com João Martins. A banda foi tendo um vaivém de contribuições e de gente, mas os seis que estiveram esta quinta-feira em Almada mantiveram-se juntos.

Na década de 90, quase todos os músicos eram jovens longe de profissões ou planos, exceção feita a Guilherme Silva, que largou um emprego na área financeira — e a um DJ Glue, que ficamos a saber que trabalhou na construção civil num “emprego certinho”. Deu-se, assim, a procura por uma identidade que foi beber ao hip-hop, ao metal e ao punk-rock, com uma atitude que estava ligada à noite das duas margens do Rio Tejo e que acabaria por marcar a cena musical em Portugal. Mas, antes de tudo, o nome. Sempre o nome. “Uma doninha pode ser incómoda, pode cheirar mal”, conta Jay. Os Da Weasel queriam ser incómodos, abanar o sistema, fazer crítica social, observar a marginalidade que se vivia na época.

O projeto começava a crescer. Em 1997 dão um grande salto para um concerto em Coimbra, com o álbum 3º Capítulo. Ficam parados na A1, é preciso uma carrinha das festas populares que transportasse aquelas doninhas. Mudanças afinadas, embraiagem no ponto. Começam aí 80 datas. Só em Odemira estiveram 6 mil pessoas para os ver. Antes, junta-se Vírgul, porque a banda pedia “um hype man”. Deslocou-se até casa dos irmãos Nobre, fez uma audição improvisada com rimas. Ficou. Antes, a mãe de Carlão e Jay ofereceu-lhe bolachas e uma nota porque “vivia no bairro”. São estes pormenores biográficos, onde se conhecem as raízes e o lado cru da banda, que fazem valer este documentário, que também vai passar na RTP1 no próximo dia 4 de julho e nas Curtas de Vila do Conde, entre os dias 9 e 17.

E depois do Alive, Da Weasel? “Logo se verá, tudo pode acontecer”

Voltemos à cronologia. Entre digressões e discos, a Antena 3 vai ajudando a carregar a popularidade dos Da Weasel. O anúncio “Tás Na Boa”, que chegou a passar nos cinemas, ou o concerto onde apresentaram, pela primeira vez, um dos singles mais badalados, “Duía”, cria a mística que dura até hoje. Na dobragem do milénio, “voltam à garagem”. Sente-se o suor, estão mais musculados. Vão-se adicionando os pratos, com DJ Glue como protagonista, entram em cena mais nomes maiores da música portuguesa como Manel Cruz. Gravam em Olhão, bem vestidos ou de pijama, o estúdio era em casa. Estamos em 2005, olá Coliseu dos Recreios, “um sonho permitido” a todos os artistas.

Não bastava. Então junta-se o maestro Rui Massena, que enviou uma mensagem a dizer que “o mundo dos Da Weasel mudou o dele”, com uma orquestra em Belém. E finalmente, em 2007, um Pavilhão Atlântico, onde Carlão “se vingou” de um Coliseu do Porto que não lhe tinha corrido bem — dando a entender que os problemas de adição (entretanto mais do que resolvidos) afetavam tudo, sobretuo — e especificamente — a performance em palco. “Antes de entrar, disseram-me: as pessoas estão ali para te ver. Não é um festival, não há mais bandas. Quem comprou bilhete está aqui para nos ver”. Dois anos depois, fim de festa. Mas não fim de história.

É, por isso, uma longa viagem animada de trinta minutos pautados pelos sete álbuns, que sai e volta aos seis elementos, dispostos em roda, sem se ver a realizadora Catarina Peixoto ou o autor Bruno Martins. A “viagem animada” ficou a cargo de André Piedade que, a par da branda, é quem brilha no documentário: a caricatura desta travessia, que mostra as dúvidas, as referências de hip-hop e de metal, os concerto no Johny Guitar (“God Bless Johny”), na Expo 98′ ou no Coliseu dos Recreios. A participação de um tal de Simão Sabrosa. Os fãs que levavam bolos. A misteriosa guitarra de Jay que permanece guardada no estúdio de Carlão. Ou mesmo um novinho Sam The Kid que gravou com a banda e, mesmo entregando a boa nova aos colegas da escola, nunca conseguiu que o som visse a luz do dia.

Desde 2010 que o grupo não se juntava. O regresso estava marcado para 2020, mas a pandemia atrasou os planos. Aproveitou-se a pausa para filmar, num dia, a meio de ensaios, este revisitar da sua história, que iria celebrar os 25 anos do álbum Dou-lhe com a Alma. “Da Weasel — Agora e Para Sempre” foi um trabalho de dois anos que iria durar apenas 6 meses. A espera acabou. Depois de dia 9 de julho, ninguém sabe o que vai acontecer, mesmo depois de tanta insistência na Academia Almadense. “Não entendemos isto como um regresso profissional. É mais como voltar para a primeira ex-namorada”, lançou Virgul.