Quando, na quarta-feira de manhã, conseguiu finalmente chegar à remota aldeia de Gyan, onde cresceu e onde moravam ainda o pai e os sete irmãos mais novos, Karim Nyazai deparou-se com o mesmo cenário dantesco a que já tinha sido exposto à passagem por tantas outras aldeias ao longo dos 90 quilómetros desde Sharan, a capital da província afegã de Paktika.

“Durante o caminho tinha as pernas a tremer. Comecei a perceber que a minha aldeia podia estar destruída quando vi outras aldeias pelo caminho total ou parcialmente caídas, com pessoas a tentarem tirar membros da família dos escombros com mãos e com pás”, contou o jovem, de 28 anos, ao britânico The Guardian, no rescaldo do terremoto que esta terça-feira à noite assolou o leste do Afeganistão e provocou pelo menos 1.150 mortos.

Número de mortos do terramoto no Afeganistão sobe para 1.150

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Também Karim tinha sentido a terra a tremer durante a noite, passada ao relento com medo de réplicas, mas nada o podia ter preparado para a visão que teve quando assomou finalmente ao local onde antes existia a casa onde cresceu — agora em parte destruída, com dois dois quatro quartos completamente desfeitos.

Como os habitantes das aldeias por que tinha passado, o pai, com as mãos nuas, tentava abrir caminho através dos escombros do quarto onde dormiam os irmãos, ao mesmo tempo que recitava partes do Corão e soluçava. “Havia corpos no exterior, embrulhados em cobertores. Não me atrevi a olhar para as caras. Não sabia por onde começar”, disse o afegão àquele jornal.

Quatro dos seus irmãos, três rapazes de 7, 12 e 17 anos, e uma rapariga de 22, morreram. Ao todo, descobriu ao longo desse dia, foram 22 os familiares que perdeu para o sismo, que praticamente não deixou pedra sobre pedra em Gyan, aldeia onde até então moravam cerca de 50 famílias. “Morreram enquanto dormiam. O mundo caiu-lhes em cima”, resumiu, desalentado, sentado à porta de um dos hospitais da capital da província.

Os últimos dias, contou esta quinta-feira ao The Guardian, passou-os entre a aldeia e Sharan, a socorrer os feridos e a enterrar os mortos. Desde que a terra tremeu, garantiu Karim, nunca mais voltou a comer. “Não consigo. Agora estou só aqui à porta do hospital e não sei o que fazer. O meu pai continua sentado entre os escombros a chorar pela minha irmã, pelos meus irmãos e pelos seus primos. Ainda há pessoas enterradas nos escombros de outras aldeias”, desabafou. “Deixei os feridos no hospital e voltei para enterrar os mortos. Ainda não tive tempo para fazer o luto. Sinto que estou a dormir e não sei por quem devo fazer o luto. Não sei por qual deles devo chorar.”