O comandante da Missão de Treino da União Europeia (UETM) em Moçambique considera que a reposição da segurança no norte “está no caminho certo”, mas “até a situação estar completamente controlada, ainda vai demorar muito tempo”.

O “caminho” percorrido desde há cerca de um ano no combate aos grupos rebeldes na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, “está certo”, sublinhou em entrevista à Lusa o brigadeiro-general Nuno Lemos Pires.

“Agora, até situação estar completamente controlada, todos temos noção de que, como em qualquer outra situação de contraterrorismo no mundo, ainda vai demorar muito tempo”, acrescentou o líder da missão europeia de treino militar, embora admitindo que isso “não quer dizer que não exista, por vezes, alguns sustos e retrocessos”.

Contudo, “isso faz parte do que é uma ação desempenhada contra terroristas, que atuam num espaço muito amplo, que têm, em si, a iniciativa e a capacidade de se esconder numa área muito alargada”, disse.

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Aliás, reforçou, muitos dos ataques recentes que nas últimas semanas se realizaram no sul de Cabo Delgado explicam-se com a circunstância dos insurgentes extremistas islâmicos terem tido que “fugir do norte” da província.

“Como houve uma operação militar consolidada, feita em estreita cooperação entre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique, [e com as forças d]o Ruanda e SAMIM (Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique), que foram limpando áreas de intervenção que existiam na zona, a reação de muitos terroristas foi fugirem dessa área, irem mais para sul, onde não estavam a ser perseguidos, e fazerem novos ataques”, explicou.

“Quando estas coisas acontecem, os terroristas têm quase sempre a iniciativa. São poucos, escondem-se no meio da população, deslocam-se por áreas muito grandes, com muita vegetação densa, torna-se muito difícil encontrá-los, e é fácil conseguirem movimentar-se”, prosseguiu.

Em contrapartida, sublinhou o general português, “é agora difícil” a estes grupos “concentrarem poder e força para fazerem operações de larga escala, como há três anos em conquistas como as de Mocímboa da Praia ou Palma. Isso está fora de hipótese, neste momento”, disse.

“Não têm essa capacidade. Muitos destes ataques até demonstram [estratégias] de sobrevivência [clássicas das guerrilhas]. Procuram comida, procuram abastecimentos, procuram, no fundo, arranjar espaço onde possam sobreviver, porque já existe um controlo bastante alargado da área [por parte] das FDS de Moçambique, das forças do Ruanda e da SAMIM”, explicou.

Neste contexto ainda, Nuno Lemos Pires destacou a “resposta rápida” que as autoridades moçambicanas têm dado a cada um destes eventos, a começar pelo chefe de Estado, Filipe Nyusi.

“Acho que é exemplar que, no momento em que existe um movimento ou um número de ataques significativos em outras áreas, imediatamente vemos o Presidente de Moçambique ir para o norte, juntar-se com o seu Chefe Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), com o ministro da Defesa, com a ministra do Interior, e traçar, no terreno, planos para rapidamente alterar dispositivos e conseguir responder a este tipo de movimentações”, afirmou.

Numa dessas deslocações ao norte de Moçambique a meio de junho, a ministra moçambicana do Interior, Arsénia Massingue, afirmou que agentes da polícia moçambicana estão a informar “o inimigo” — as forças insurgentes em Cabo Delgado – sobre as posições da FDS e das forças aliadas no terreno.

No entanto, Lemos Pires desvalorizou a situação. “Temos que ter a noção de que num qualquer sistema político há infiltrações. Isto acontece em todo o lado. Ignorar essa dimensão é ignorar o que acontece em todo o lado”, afirmou.

“Não conheço nenhum caso de lutas insurgentes, contra-insurgentes, de terrorismo ou contraterrorismo em que não aconteça muitas vezes estas fugas de informação. O que é preciso é acautelar. Garantidamente, não é uma situação ampla e descontrolada, garantidamente não estamos a falar de grandes adesões, nada disso”, afirmou.

Para além da vastidão da área palco do conflito e da topografia favorável às estratégias da guerrilha insurgente, a porosidade das fronteiras, com a Tanzânia a norte de Cabo Delgado, e com o Maláui, a noroeste, também coloca desafios às FDS e forças aliadas da SAMIM e do Ruanda.

Lemos Pires relativizou também esta questão. “Estamos a falar de terrorismo transnacional e é bom que se entenda que a situação que se vive no norte de Moçambique, em Cabo Delgado, não é e não se restringe – nem nunca se restringiu -, única e exclusivamente àquela região. Este é um fenómeno que existe em toda a África, nomeadamente na zona central de África”, afirmou.

O comandante da UETM aproveitou mesmo esta circunstância para enquadrar a “resposta alargada” a um “problema alargado, que é regional, e a solução também tem que ser regional alargada”.

Por isso, “é muito bom o que vemos aqui no terreno, de facto, esta união de esforços das forças africanas regionais para tentar lidar com um problema que, realmente, diz respeito a todos”, concluiu.

“Tudo o que acontece numa região pode afetar a outra. Daí que seja do interesse de todos que estes grupos sejam combatidos, detidos, e se consiga contrariar a narrativa que eles vão, neste momento, espalhando – esperamos que cada vez com menos sucesso”, sublinhou o general português.