O tribunal condenou esta segunda-feira 21 dos 27 arguidos acusados de pertencerem à organização de extrema-direita Portuguese Hammerskins por crimes de discriminação racial, religiosa e sexual. Houve ainda 22 arguidos condenados por  tentativa de homicídio, roubo, ofensa à integridade física, dano, posse de arma proibida e tráfico de droga.

Apenas sete dos arguidos que estiveram no Campus da Justiça, em Lisboa, a ouvir uma súmula da leitura pela voz de Noé Bettencourt vão cumprir uma pena efetiva. Alexandre Silva, de 27 anos, um dos únicos que confessou os crimes, teve a pena de prisão mais elevada: de nove anos por discriminação racial e dois crimes de homicídio na forma tentada. Já Tiago Gorjão, de 39 anos, foi condenado a oito anos e nove meses pelos crimes de homicídio na forma tentada, discriminação, detenção de arma proibida e dano e Ivo Valério, de 29, foi condenado a cinco anos e cinco meses de prisão.

Bruno Monteiro, João Dourado, Hugo Magriço (que foi absolvido de um crime de homicídio na forma tentada) e Nuno Cerejeira foram condenados a penas inferiores a cinco anos, mas pelo passado criminal vão ter que cumprir pena efetiva. Monteiro enfrenta uma pena quatro anos e cinco meses, João Dourado (que já foi condenado em dez processos) uma de quatro anos, Hugo Magriço quatro anos e dez meses por tráfico de droga, dano com violência, discriminação, detenção de arma proibida e Nuno cerejeira quatro anos e cinco meses.

Quinze arguidos foram condenados a penas inferiores a cinco anos e vão ficar em liberdade apesar de condenados: Tiago Leonel (três anos e nove meses), Francisco Fernandes (quatro anos e nove meses), Rui Miguel Veríssimo (três anos e nove meses), Jaime Hélder (quatro anos e três meses), Valério Carrapeto (três anos e seis meses); João Vaz (seis meses), Bruno Santos (quatro anos e seis meses de prisão), José Silva (três anos), Daniel Marques (três anos e três meses), Hugo Silva (três anos e quatro meses) Alfredo Sá (dois anos e seis meses), Ricardo Adolfo (dois anos), Pedro Guilherme (dois anos e seis meses), Daniel Pereira (dois anos e seis meses), Pedro Geraldes (dois anos e seis meses).

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Só cinco arguidos foram absolvidos de todos os crimes que lhes eram imputados: João Vicente, Luís Ribeiro, Orlando Pessoa, Rúben Martins, Bruno Mouta. Os 27 arguidos tinham um crime comum a todos: discriminação racial, religiosa e sexual, que é aliás segundo o tribunal a índole da organização que o Ministério Público os acusou de integrarem. Deste crime, foram absolvidos além destes cinco arguidos, um sexto: João Vaz, um guarda prisional que já em julgamento acabou por ver o Ministério Público a pedir a sua absolvição de um crime de homicídio na forma tentada, e que foi condenada a uma pena de seis meses suspensa por posse de uma soqueira.

Os arguidos estavam a ser julgados no Campus de Justiça por crimes de ódio racial e sexual, ofensas corporais, incitamento à violência, tentativa de homicídio, tráfico de droga e posse de arma proibida. O Ministério Público acusa-os de estarem ligados ao movimento “Portugal Hammerskins” (PHS) – grupo que exalta a superioridade branca – e que foi por isso que agrediram violentamente várias pessoas na zona de Lisboa, entre homossexuais, imigrantes e militantes comunistas.

Segundo a acusação do MP, ficou “suficientemente indiciado que os arguidos agiram com o propósito de pertencer a um grupo que exaltava a superioridade da ‘raça’ branca face às demais raças, sabendo que, pertencendo a tal grupo deveriam desenvolver ações violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que tivessem orientações sexuais e políticas diferentes das suas.

“Achavam giro andar a bater em pessoas, outros não”

O tribunal deu como provado que pelo menos 21 arguidos integravam a organização de extrema direita PHS, valorizando mesmo mensagens de Whatsapp encontradas nos telemóveis e nos computadores de arguidos que falavam em pagamentos de quotas e formas de recrutamento. Um dos arguidos assumiu em tribunal que alguns elementos “achavam giro andar a bater em pessoas, outros não”, acrescentando que “era mais a nível de propaganda”.

Os hammerskins são um grupo de dimensão internacional, com “chapters” em diferentes países que se assume como defensor da “raça branca” sobre as “demais raças”. “A raça é um conceito previsto da lei , não temos que ter medo de chamar as coisas pelos nomes”, disse o juiz durante a leitura.

Em Portugal o grupo formou-se em 2005 pelas mãos de Mário Machado, que apesar de não estar a ser julgado teve o seu nome mencionado várias vezes no tribunal, por terem sido encontrados documentos por si assinados e porque alguns membros admitiram ter integrado a organização por causa dele. Este grupo está estruturado de forma “vertical” e, segundo concluiu o tribunal, todos os candidatos devem ter “orgulho racial e consciência patriótica”. Para entrarem têm que ter 18 anos, descendentes de caucasianos e têm que passar algumas provas para passarem os vários níveis, começando por serem “hang-around”, depois “prospect” e, por fim “hammer”.

A PHS tinha uma sede em Loures e desde 2013 uma banda musical de nome “BIBO” (Blood In Blood Out) cujas letras passavam mensagens de propaganda nacional-socialista. A certa altura elementos do PHS criaram uma página no Facebook contra os refugiados onde organizaram pelo menos uma manifestação em 2015 junto à Assembleia da República. Depois dessa manifestação, um grupo de manifestantes deslocou-se ao Largo de São Domingos de Benfica quando, pelas 18h00, um dos participantes no comício “Coligação Democrática Unitária” (CDU) – que decorria no coliseu – passou por eles. António Pinheiro foi ameaçado e quando tentava regressar ao coliseu foi agredido a soco e pontapé, como descreve o despacho de pronúncia do processo. João Vaz, um dos arguidos, deixou cair a sua bolsa com documentos no local deste crime, mas não foi identificado pela vítima como tendo sido um dos agressores. Mais tarde um casal que também tinha estado no comício foi igualmente agredido. Uma das vítimas esteve de baixa médica quase dois anos por causa da agressão.

Dois anos antes, num outro episódio que também acabou por ser junto a este processo, na Estrada de Benfica, um grup e suspeitos fazia outra vítima, atacando-o ao sair do autocarro. Wilson foi atacado a murro e pontapé, levou facadas na coxa esquerda, no abdómen e no tórax e golpes com uma chave de rodas numa mão. Teve que ficar internado.

Em abril de 2014, membros do PHS atacaram na Rua do Diário de Notícias, no Bairro Alto, em Lisboa, um vendedor ambulante senegalês, tendo roubado alguns dos seus bens.  Quatro meses depois, na Rua Duques de Bragança, atacaram o proprietário de um carro que abordaram para pedir um cigarro por “aparentar ser homossexual”. Já em janeiro de 2015, elementos do grupo deslocavam-se à Praça da Alegria, onde no bar “Fontória” decorria uma festa gay e atacaram um rapaz. Um mês mais trade, no bar “Indy”, também em Lisboa, também deixaram um rasto de destruição.

Do conjunto de crimes que levou os arguidos ao banco dos réus, e onde terão participado suspeitos que nunca foram identificados, consta também um outro ocorrido no aeroporto do Porto contra Jonathan Costa, comunista que pertence ao Núcleo Antifascista do Porto. Aqui dois dos suspeitos deram um soco à vítima e ameaçaram-na.

Vítimas ainda vivem pesadelo das agressões

Desde as agressões até ao julgamento, que decorreu este ano, passaram-se anos, mas quando prestaram testemunho as vítimas ainda demonstraram “vivências marcadadamente traumáticas e que, não obstante os anos volvidos, ainda fazem despertar sentimentos carregados de temor”, lê-se no acórdão de 308 páginas.

O tribunal condenou ainda alguns arguidos a pagarem indemnizações às vítimas. Tiago Gorjão foi condenado a pagar 26.404 euros a uma das vítimas, Alexandre Silva 7500 a outra, Francisco Fernandes foi condenado a pagar mil ao cidadão senegalês e Bruno Ribeiro e José Silva a pagar 500 euros a Jonathan Costa.