O Monte de São Julião, em Albergaria-a-Velha, começa segunda-feira a receber escavações arqueológicas destinadas a identificar o perímetro desse povoado de 900 a 800 a.C, onde já está sinalizada uma construção funerária e peças ligadas a vários ofícios.

Os trabalhos nesse sítio do distrito de Aveiro serão conduzidos pelo Centro de Arqueologia de Arouca, com recurso a um orçamento de 18.000 euros que, financiado pela Câmara de Albergaria, também abrange procedimentos laboratoriais para datação e preservação dos respetivos achados.

António Manuel Silva é o coordenador da equipa de investigação, que conta ainda com os arqueólogos Paulo Lemos e Sara Almeida e Silva como codiretores de campo, e declara à Lusa que as escavações vão decorrer em 80 metros quadrados do monte, visando descobrir até 29 de julho mais vestígios da atividade humana que terá existido na zona no período anterior à ocupação romana.

“O Monte de São Julião foi ocupado durante os finais da Idade do Bronze, de 900 a 800 a.C., e preserva dessa época uma estrutura em pedra e terra que servia para delimitar o povoado. O principal objetivo dos trabalhos de 2022 é colocar a descoberto essa estrutura de delimitação”, explica o arqueólogo.

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Sara Almeida e Silva diz que essa é “a aposta principal” da campanha a decorrer até 29 de julho, mas nota que, como até hoje ainda não foi possível identificar espaços de habitação no povoado, as escavações também tentarão avançar nesse domínio. “Vamos fazer algumas sondagens na plataforma, em função das anomalias registadas na prospeção geofísica, tendo em vista a identificação de possíveis áreas habitacionais”, adianta.

Quanto ao que já está identificado no terreno, António Manuel Silva realça que o Monte de São Julião “tem a particularidade de conservar no seu interior uma mamoa, que será ligeiramente anterior à ocupação do local enquanto povoado”, mas lamenta que esse monumento megalítico funerário tenha sido violado em tempos recentes, pelo que a câmara fúnebre no seu centro “não se encontra preservada nas melhores condições”.

O arqueólogo Paulo Lemos realça, contudo, que, ao longo dos últimos três milénios, o sítio acumulou muitos mais indícios de ocupação humana: é o caso de “um conjunto significativo de barro de construção que seria usado nas paredes ou nos pisos das construções”; restos de peças de cerâmica manual; objetos em pedra como “mós, pesos, machados, lâminas e lascas”; e alguns elementos metálicos, “sobretudo em liga de cobre”, que confirmam “a presença de atividades como moagem, fiação e metalurgia”.

De instalação mais recente no Monte de São Julião, mais precisamente da primeira metade do século XIX, é um posto de comunicações telegráficas que integrava a linha Lisboa-Porto.

“Desse período foram identificados os alicerces de um edifício que terá servido de apoio às tropas aí estacionadas”, especifica António Manuel Silva, enumerando ainda “milhares de fragmentos de telha, vestígios de louça comum, alguns fragmentos de vidro, um conjunto significativo de elementos em ferro — a maioria dos quais pregos — e outros itens relacionados com o uso militar do edifício — como um projétil e um botão de farda de fabrico inglês”.

A presente intervenção arqueológica integra o projeto de investigação VAL-JUL — Estudo, Conservação e Valorização do Sítio Arqueológico de São Julião, que assenta em três pilares: “o património arqueológico, os valores ambientais e paisagísticos, e a sua fruição pela comunidade”.

Os trabalhos a realizar até 29 de julho podem ser acompanhados pela comunidade e, embora a maior parte das estruturas já escavadas no local esteja oculta para garantia de preservação, as visitas realizadas nesta altura serão acompanhadas pelos arqueólogos em funções no terreno e esses permitirão que o público aprecie alguns achados arqueológicos.

Uma das perspetivas abordadas por esses profissionais durante as visitas é que as intervenções no Monte de São Julião só tiveram início na década de 90 do século XX, “depois de uma ação de plantio intensivo de eucalipto ter colocado a descoberto vestígios materiais do povoado”.