Uma espécie de balanço, recheado de farpas. No último discurso enquanto presidente do PSD, a abrir o congresso de entronização de Luís Montenegro, Rui Rio deu justificações sobre o que fez mas, sobretudo, o que não conseguiu fazer enquanto líder dos sociais-democratas — por culpa de quem não teve “coragem” de o acompanhar nessas reformas — e assegurou que sai do cargo, quatro anos depois, “sem dramas nem truques”.

Num discurso curto, que não chegou a oito páginas, o líder cessante — que tomou posse em 2018, prometendo ser o homem certo para levar a cabo grandes reformas, dialogando com o PS — justificou o que, afinal, falhou nesse plano.

O PSD, lembrou, propôs uma revisão da Constituição, a alteração do sistema eleitoral, a descentralização (que chegou a planear com o PS, mas critica agora pela forma como está a ser executada) ou uma reforma da Justiça, setor que representa “o melhor exemplo da incapacidade reformadora de que o país tem padecido”.

Rio, explicou, tentou “romper com o politicamente correto e arriscar”, mas em nenhuma dessas áreas viu resultados. A culpa, diz agora, é da “falta de coragem para reformar”, que tem “atrasado o país e ameaçado o nosso futuro”, condenando Portugal a “atrasar-se”.

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E porquê? O social-democrata disse que o problema da política é o medo de “enfrentar poderes setoriais e interesses individuais” — mas “compete ao poder político agir, repondo a lógica democrática”, com as “medidas estruturais necessárias”. Isto aplica-se, insistiu, não apenas à economia, mas a “crescentes estrangulamentos aos mais diversos níveis” da sociedade — regime incluído.

Para o PS, algumas críticas — “Estar na política de forma séria não é contratar técnicos de marketing a peso de ouro“, obedecendo à lógica mediática, disse, depois de António Costa ter contratado Luís Paixão Martins para a campanha eleitoral de janeiro e agora João Cepeda como diretor de comunicação do Governo. E um aviso geral: “Os problemas de ordem interna e externa que temos de enfrentar não se compadecem com falta de coragem nem com calculismos táticos”.

Fora as falhas, Rio garantiu, ainda assim, que quem diz que o PSD está a “definhar” ou a caminhar para a “irrelevância política” se engana: “Um despautério”. Para isso, elencou números como o número de autarcas e de militantes do PSD e voltou ao ataque: “Como é possível ter tão pouco respeito por si próprio, ao ponto de não se coibir de exibir publicamente o ridículo com tais afirmações?”.

Depois, a despedida. Rio dedicou alguns minutos a analisar como se deve entrar e sair — na vida e na política –, sem “trair valores nem atropelar princípios” e sabendo sair “na hora certa”, com “desprendimento”. Mais uma farpa — foi assim que Rio, que sempre fez da ética uma bandeira sua, procurou cumprir o mandato dentro das suas circunstâncias, mas também das que outros lhe “criaram”.

Agora, garante ver a saída com “naturalidade”, “sem dramas, precipitações e truques”, “com serenidade e sem sentimentos negativos”. Em nome de Portugal, rematou, deseja que o PSD “vença”. E deixou uma saudação e uma espécie de boa sorte ao sucessor, Luís Montenegro: “Sobre ele pesa a responsabilidade de uma tarefa que eu, melhor do que ninguém, conheço as dificuldades que lhe são inerentes”. Dificuldades que, ainda assim, serão menores para Montenegro, garantia minutos antes, numa entrevista à RTP: Rio promete ser um ex-líder recatado, porque não quer fazer o que lhe fizeram (leia-se a oposição interna). Com aplausos e uma faixa onde se lia “obrigado” exposta no Pavilhão Rosa Mota, acabou a era Rio.