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"The Janes": mulheres a cuidar de mulheres

Este artigo tem mais de 1 ano

Um documentário sobre o aborto e um grupo de mulheres que se tornaram infames na Chicago dos anos 60, à boleia de um anúncio em jornais clandestinos que simplesmente sugeria: "Grávida? Ligue à Jane".

O filme queria-se uma celebração dos 50 anos da constitucionalidade do aborto em todo o território dos Estados Unidos, mas os últimos acontecimentos deram-lhe outro foco
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O filme queria-se uma celebração dos 50 anos da constitucionalidade do aborto em todo o território dos Estados Unidos, mas os últimos acontecimentos deram-lhe outro foco

O filme queria-se uma celebração dos 50 anos da constitucionalidade do aborto em todo o território dos Estados Unidos, mas os últimos acontecimentos deram-lhe outro foco

“The Janes”, documentário estreado no festival de Sundance em fevereiro passado e que chegou recentemente à HBO Max, é uma festa que correu mal. O filme queria-se uma celebração dos 50 anos da constitucionalidade do aborto em todo o território dos Estados Unidos, uma espécie de narrativa inspiradora — com laivos de caso de polícia e de filme de terror, mas que acabaram para sempre quando Roy vs. Wade mudou as regras em janeiro de 1973. Só que o “para sempre” afinal foram só menos de cinco décadas, numa espécie de “Regresso Ao Futuro 2”, naquela parte em que o futuro afinal não é tão risonho como se esperava.

As Janes que dão nome à longa-metragem assinada por Tia Lessin (“Trouble Water”, vencedor em Sundance e nomeado para Óscar de Melhor Documentário) e Emma Pildes (produtora de documentários sobre Jane Fonda ou Steven Spielberg) tornaram-se infames na Chicago dos anos 60, à boleia de um anúncio em jornais clandestinos que simplesmente sugeria: “Grávida? Ligue à Jane”. Só que a Jane não era uma mulher em concreto, mas sim um grupo de mulheres (com a ajuda de alguns homens, como aquele que aqui se apresenta apenas como “Mike”) que ajudava mulheres desesperadas a planearem e concretizarem os términos das suas gravidezes. Do outro lado da linha estava um gravador de chamadas onde milhares de mulheres explicaram a sua situação e pediram ajuda. Obrigadas à clandestinidade, as Janes estavam mal com os anjos e com o diabo: por um lado, eram procuradas pela polícia pela sua atividade criminosa; por outro, faziam concorrência à Máfia, até então o último recurso das mulheres que desejassem abortar, mesmo que as condições fossem abaixo de sofríveis e indignas.

[o trailer de “The Janes”:]

Sem recurso a narrador e com pouco ou nenhum grafismo, “The Janes” conta toda a história apenas com base nos depoimentos na primeira pessoa dos seus intervenientes, fossem eles elementos da Jane, familiares que ajudavam ou até um confuso polícia do Departamento de Homicídios que fez parte da rusga que deteve sete elementos do grupo em 1972. A Chicago que fazia de pano de fundo é também, à sua maneira, uma espécie de personagem, já que o contexto político e cívico da cidade tem igualmente um papel aqui — uma grande metrópole com constantes manifestações por uma mudança de paradigma, ao mesmo tempo que a Máfia atuava livremente e que a Igreja Católica tinha uma palavra a dizer nos costumes de um território de grande emigração irlandesa e polaca.

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“The Janes” agarra logo desde os primeiros instantes. Antes de qualquer genérico ouvimos o relato do aborto de uma mulher, sem qualquer trilha sonora, apenas a voz que ainda treme décadas depois do episódio. Explica que contactou a Máfia por telefone e lhe perguntaram se queria um Caddillac, um Chevrolet ou um Rolls Royce, código para quanto queria/conseguia gastar com o procedimento. O mais caro, o Rolls Royce, custava mil dólares (o que hoje equivaleria a cerca de 9500).

As Janes estavam mal com os anjos e com o diabo: por um lado, eram procuradas pela polícia pela sua atividade criminosa; por outro, faziam concorrência à Máfia, até então o último recurso das mulheres que desejassem abortar, mesmo que as condições fossem abaixo de sofríveis e indignas

Outro momento interessante, e que mostra outro lado da idealização hippie dos anos 60, é a descrição de que os outros movimentos ligados aos direitos humanos e à liberdade não estavam nem aí para aquilo que consideravam “problemas de mulheres”. A Jane surge depois das suas fundadoras sentirem muita testosterona e muito mansplaining (e até gritos para que se calassem) em reuniões que iam dos Black Panthers ao movimento anti-guerra do Vietname.

De resto, o que melhor descreve “The Janes” é a frase de uma das antigas pacientes: são mulheres a cuidar de mulheres. Mas um total de 11 mil abortos causou também impacto psicológico nas ativistas, que foram durante tantos anos passando entre os pingos da chuva da ilegalidade porque algumas pacientes eram familiares ou amantes de juízes, polícias ou políticos. Mas a sua maioria eram grávidas pobres, desesperadas, e que por vezes já tinham tentado outros métodos e chegavam entre a vida e a morte.

Diz a frase feita que a História se repete. Neste momento, fez reset a 50 anos. Daqui a outros 50, talvez estejamos a ver um documentário sobre as Janes que estão, sem dúvida, a organizar-se neste momento. O telefone, esse, tocará.

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