Já tinha sido assim na primeira etapa da Volta a França em bicicleta na sexta-feira, voltou a ser assim na qualificação para o Grande Prémio da Grã-Bretanha de Fórmula 1. No desporto de alta competição, todos os pormenores contam e até pessoas menos conhecidas ou mediáticas assumem em determinadas fases uma especial importância. Nos casos supracitados, essas figuras foram os meteorologistas. E as situações supracitadas acabaram por ter um desfecho influenciado pela chuva e pelos momentos de mais ou menos água a cair com o consequente reflexo nas condições do piso para bicicletas ou carros de 800 quilos.

“Não, não pode ser…”: Carlos Sainz consegue (entre os pingos da chuva) a primeira pole da carreira em 150 corridas

Se em Copenhaga a sorte sorriu a Yves Lampaert, que saiu para a estrada mais tarde mas quando havia condições melhores ao contrário do que estava previsto, em Silverstone todos os minutos de qualificação foram analisados ao detalhe, com os carros a aproveitarem os períodos sem chuviscos para apostarem tudo e conseguirem melhorar os seus tempos. As surpresas começaram logo na Q1 e na Q2, com Latifi a levar pela primeira vez um Williams à Q3 (e com o companheiro de equipa, Alexander Albon, a perguntar pelo rádio porque não o deixavam fazer voltas rápidas consecutivas…), e chegaram ao ponto mais alto no último minuto, quando Carlos Sainz teve uma volta quase perfeita aproveitando as trajetórias que estavam desenhadas num período sem chuva para marcar o melhor registo e a sua primeira pole position na F1.

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“Não sabia que tinha sido suficiente para acabar em primeiro porque não parecia nada de especial… Foi boa mas tive de lutar contra a quantidade de água que havia no setor intermédio até mesmo na linha de trajetória desenhada porque era muito fácil deslizar e perder a volta. Foi um bocado uma surpresa ter sido aqui a pole position“, admitiu o espanhol depois do primeiro triunfo em qualificação na 150.ª corrida da carreira na Fórmula 1. “Posso agora lutar pela vitória. O ritmo tem estado lá durante o fim de semana, só nos TL3 tivemos alguns problemas que foram corrigidos. Sei que o Max [Verstappen] e o Charles [Leclerc] vão pressionar-me mas tentarei fazer a melhor corrida possível”, acrescentou ainda o piloto da Ferrari.

Sainz falava do campeão mundial e do terceiro classificado de 2022 (pelo meio ainda há Sergio Pérez) mas nos primeiros lugares depois dos Ferraris e dos Red Bull estavam ainda Lewis Hamilton, piloto que mais vezes ganhara em Silverstone e que mostrara uma prometedora melhoria em relação ao arranque do ano, Lando Norris, que colocou sempre o seu McLaren nos lugares cimeiros na corrida “em casa”, ou Fernando Alonso, que voltou a destacar-se com um Alpine que ainda procura a sua afirmação. Tudo dependente, claro está, das condições que o tempo poderia trazer. E este domingo as dúvidas persistiam com algumas zonas da pista com sol mais aberto e outras com nuvens que pareciam trazer chuva. Uma coisa era certa: na teoria, a Red Bull parecia ter alguma vantagem em relação aos restantes monolugares. Mas só teoria.

A partida teria uma importância especial neste Grande Prémio e houve muita história logo nas duas curvas iniciais a que se sucedeu uma bandeira vermelha: Carlos Sainz arrancou bem, Max Verstappen fez prevalecer os pneus macios para conseguir outra tração que lhe permitiu chegar na frente à primeira curva, Hamilton aproveitou um “soluço” de Pérez no arranque para passar o mexicano e depois Leclerc apesar da tentativa de reação do monegasco, Alonso também foi a quinta posição à frente de Pérez e Lando Norris, Latifi foi ainda mais surpreendente passando para um improvável oitavo lugar (Kevin Magnussen e Lando Stroll também subiram vários postos. De fora ficaram George Russell, que tinha terminado todas as provas em 2022 no top 5; Zhou, que acabou por sofrer por um toque do britânico com Tsunoda e ficou com o carro ao contrário (sem lesões de maior); Alexander Albon também ficou com o carro parado após vários toques no meio da confusão; Tsunoda e Ocon voltaram a muito custos com os seus carros muito danificados.

Os pilotos voltavam ao pit lane ainda à espera de informações sobre Zhou (durante 15 minutos não houve qualquer repetição para que o chinês fosse removido longe de qualquer câmara), houve entretanto uma entrada de alguns protestantes na pista que foram de imediato retirados e presentes às autoridades, todos esperavam pela decisão dos comissários em relação ao recomeço da prova. E a confirmação não demorou, com um arranque uma hora depois com tudo o que se passara às 15h anulado. Aí, a história foi outra: Carlos Sainz utilizou outra trajetória para se defender de Verstappen, o neerlandês tentou depois de novo na curva 2 e 3, Leclerc e Pérez acabaram por ter um toque com danos nas asas dianteiras quando viram uma pequena abertura derivada da luta pelo primeiro lugar mas tudo acabou por se manter. Um pouco mais atrás, Norris aprendeu também a lição e conseguiu ganhar uma posição ao compatriota Hamilton.

Pérez não conseguiu superar esses mesmos problemas e teve de ir mais cedo às boxes, o que permitiu que Hamilton passasse também por Norris e fosse tentar aproximar-se do terceiro lugar de Leclerc. Na frente, depois de Carlos Sainz ter avisado várias vezes a equipa para o melhor andamento de Verstappen, acabou por ser o espanhol a estender a passadeira para a ultrapassagem do neerlandês após perder a traseira numa curva na décima volta. O campeão mundial estava na frente mas, apenas três voltas depois, o cenário voltou a mudar com a passagem do Red Bull pelas boxes para trocar de pneus e um pequeno problema que deixou Verstappen em sexto mas a queixar-se à equipa pela forma como o carro fugia na traseira.

Leclerc começava a enviar mensagens a perguntar porque continuava atrás de Sainz “estragando” a sua corrida, Sainz marcava voltas mais rápidas do que Leclerc mas no meio de tudo isto era Hamilton que ia cravando voltas mais rápidas, aproximando-se cada vez mais dos dois Ferrari. O espanhol passaria pela primeira vez pelas boxes na 21.ª volta, deixando assim o palco para o monegasco mostrar o que poderia fazer perante a pressão do britânico. Pouco depois, na 25.ª volta, quando Hamilton começava a entrar na zona de DRS, Leclerc parou e deixou o britânico na frente da corrida enquanto Verstappen, que tinha trocado de novo de pneus, dizia à equipa que parecia estar a andar sobre gelo pela falta de estabilidade. E mesmo com 25 voltas de médios, Hamilton forçava para chegar aos 20 segundos de avanço de Sainz.

Estava a chegar a fase que podia decidir a corrida, com Leclerc a ter autorização para atacar com sucesso Sainz antes de Hamilton parar a 18 voltas do final. E se o ritmo dos Ferrari estava melhor, a paragem nas boxes da Mercedes também não foi a melhor, com o britânico a entrar a três segundos do espanhol de novo na terceira posição. As bancadas de Silverstone festejavam qualquer ultrapassagem a Verstappen, como já tinha acontecido com o aniversariante Vettel e aconteceu depois com Ocon, mas queriam sobretudo fazer a celebração por Hamilton e ganharam uma nova esperança na 39.ª volta, quando Ocon teve problemas no seu Alpine, não conseguiu chegar a uma zona de escapatória, houve safety car e Sainz e Hamilton foram logo às boxes mudar de pneus ao contrário do que se passou com o líder Leclerc.

Estava tudo em aberto a dez voltas do final: Sainz queria passar Leclerc por ter pneus novos, a Ferrari pedia para que o espanhol desse margem ao espanhol (e a ouviram como resposta “Vá, deixem lá de inventar”), Pérez podia colocar o pódio de Hamilton em risco. E foi isso que aconteceu nas curvas iniciais, com Sainz a passar Leclerc e Pérez a saltar para terceiro por troca com o britânico. No entanto, a corrida estava mesmo em aberto apesar de o espanhol ter disparado na frente, com cinco carros de cinco equipas diferentes a lutarem pelas duas posições de pódio em aberto. Depois de mais uma grande luta com Leclerc, Hamilton segurou mesmo o terceiro posto para gáudio das bancadas mas a tarde era mesmo de Carlos Sainz, que depois da primeira pole position conseguiu mesmo a primeira vitória de sempre na Fórmula 1.