Não estão desavindas, mas também não estão em perfeita sintonia. As filhas mais velhas de José Eduardo dos Santos não atuaram em conjunto no pedido de investigação por alegada tentativa de homicídio do pai. E já não estarão completamente alinhadas na tomada de decisão quanto a desligar a máquina que está a dar suporte de vida ao ex-Presidente angolano.

Foi Tchizé quem contratou uma advogada espanhola e quem entregou, nesta segunda-feira, na polícia catalã, uma denúncia que tem como alvos o médico João Afonso e a madrasta Ana Paula dos Santos. E foi ainda Tchizé quem, indignada por ver “seguranças do Estado angolano, militares”, na clínica onde o pai está internado desde o dia 23 de junho, que se dirigiu à esquadra para fazer queixa. E, como explicou num áudio que divulgou no WhatsApp, desta vez foi contra o Estado angolano e, novamente, contra Ana Paula dos Santos.

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Em nenhuma das vezes Isabel dos Santos secundou formalmente estas ações. De acordo com fonte angolana, a filha mais velha de José Eduardo dos Santos não estará alinhada com a irmã nesta luta. Publicamente, tem sido Tchizé a dar a cara (e a voz) quase diariamente nas redes sociais ou em entrevistas.

Desde que o antigo Presidente de Angola foi internado na clínica Teknon, depois de uma paragem cardiorespiratória, induzido em coma e posteriormente revelado lesões cerebrais irreversíveis, que a ex-deputada do MPLA se tem desdobrado em desmentidos, explicações, apelos do género “não desliguem as máquinas”, acusações e até queixas policiais.

Isabel dos Santos tem estado calada, limitando-se a publicar fotos com o pai no Instagram, ou uma vela, para além de fazer divulgar a nota da família onde se admitia o estado grave de José Eduardo dos Santos e se pedia privacidade.

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Fonte angolana confirma ao Observador que o antigo Chefe de Estado piorou nas últimas 48 horas, tendo a equipa médica reafirmado à família que não irá sair do coma profundo em que se encontra. Na terça-feira da semana passada, os médicos tentaram despertá-lo do coma induzido sem sucesso e tanto Isabel como Tchizé disseram que não aceitariam que a máquina fosse desligada enquanto o coração do pai batesse sem ajuda artificial.

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Mas nos últimos dois dias o cardiologista terá traçado um cenário sem esperanças e Isabel dos Santos ter-se-á conformado com a ideia de “que nada mais há a esperar”.

Com o pior dos cenários clínicos claramente em cima da mesa, a “questão do desligar ou não a máquina” pode não se colocar, analisa uma outra fonte angolana. Se a situação evoluir de facto para morte cerebral ou clínica, a palavra final cabe aos médicos. Se não, “se ficar num estado vegetativo permanente, parecida com o que aconteceu com Nelson Mandela, por exemplo”, a família fica com a decisão nas mãos.

Mas quem decide? “Para a cultura africana é muito difícil aceitar a ideia de desligar o suporte artificial de vida”, explica uma médico angolano ao Observador. O mesmo tinha dito Téte António, ministro das Relações Exteriores de Angola, enviado por João Lourenço a Barcelona: “Somos africanos, temos uma certa cultura que não conduz a este tipo de hipóteses”. Mas, lembra uma mesma fonte, “Isabel não é apenas africana, é meio russa…”.

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Numa fase inicial, acrescenta outra fonte, desligar máquinas não era uma questão para ninguém, “nem para Ana Paula dos Santos”, como Tchizé acusou. E muito menos “para o governo angolano, como Téte António o deu a entender, apesar de sublinhar que essa era uma matéria da exclusiva competência da família”.

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Para essa difícil decisão entraram em cena esta quarta-feira mais dois elementos deste complexo círculo familiar. Um já estava em Barcelona, outro chega esta quinta-feira. São os dois irmãos de José Eduardo dos Santos, os únicos que ainda estão vivos: Marta (já presente na capital catalã) e Luís. Neste colégio decisório, a palavra dos mais velhos, dos irmãos, pode ser determinante, sublinha uma fonte ao Observador. A tradição africana (a angolana não foge à regra) dá peso aos mais velhos. Mas, à luz da lei, a mulher — apesar de separada de facto há quase cinco anos, continua a ser esposa legítima — também. Segundo uma outra fonte bem informada, Ana Paula dos Santos irá subscrever a decisão dos irmãos do marido, “seja ela qual for”. Os dois mais velhos ganham assim uma importância decisiva neste delicado processo.

Tchizé tenta minimizar estes dois flancos. Numa gravação que ontem divulgou no WhatsApp, diz de novo que “legalmente, em Espanha, quem toma este tipo de decisões são os filhos porque a senhora doutora Ana Paula dos Santos, segundo a lei espanhola, não é esposa de facto”. E enumera, numa espécie de contagem de espingardas, quem é a favor do desligar as máquinas.

“Anda aí um áudio a dizer que Luís dos Santos vai decidir a vida do irmão. Isto é mentira. Estão a querer diabolizar o meu pobre tio”, começa por dizer Tchizé. Depois, vira-se para a tia, a madrasta e alguns dos meio-irmãos: “Quem quer desligar as máquinas é a senhora Marta dos Santos, Ana Paula dos Santos e os filhos de Ana Paula dos Santos”. A ex-deputada do MPLA cita Joseana, Danilo — “que não diz nada para apoiar a irmã e a mãe” — e Breno “que diz que não quer opinar”, deixando de fora Houston, irmão destes três. Também nada diz de Filomeno, do seu irmão Coréon Du, de Joess, de José Avelino ou de Isabel, a mais velha.

Mas fonte angolana garante ao Observador que “Isabel já arrumou na sua cabeça este tema: sabe que tem de deixar o pai ir”.  E, ato contínuo, terá retirado todos os móveis com que tinha mobilado a casa de Pedralbes, bairro catalão onde José Eduardo dos Santos mora desde 2019. O Jornal de Negócios já tinha avançado com esta informação na terça-feira, dizendo que aquela que foi considerada a mulher mais rica de África, tinha “esvaziado” a casa do pai. Porém, Isabel dos Santos, através da sua assessoria de imprensa, desmentiu esta quinta-feira ao Observador que tal tenha acontecido, garantindo que não retirou nada. Já na véspera o tinha negado ao portal AngoRussia.

O Observador tentou também falar com Tchizé dos Santos e a sua advogada, mas sem sucesso.