O juiz Ivo Rosa recusa reduzir o número de testemunhas arroladas no megaprocesso GES/BES, como tinha pedido o Ministério Público e um dos assistentes do processo, por considerar que não se aplica neste caso a norma que prevê não ultrapassar as 20 testemunhas. Segundo o último despacho do magistrado no processo, — que entretanto foi avisado pelo Conselho Superior da Magistratura de que a instrução do caso devia estar concluída até fevereiro, — reduzir o número de testemunhas de Ricardo Salgado e de Amílcar Morais Pires significa retirar a “igualdade de armas” com que os arguidos devem lutar contra uma acusação criminal.

A resposta do magistrado ao Ministério Público e ao assistente BES em Liquidação chega cerca de um mês e meio depois dos seus pedidos, e com um aviso do Conselho Superior da Magistratura para acelerar esta fase em que terá que decidir se o caso segue ou não para julgamento. Neste despacho assinado a 6 de julho, e a que o Observador teve acesso, o magistrado não diz uma única palavra sobre o prazo a cumprir imposto pelo órgão que regula e disciplina os juízes, respondendo apenas aos requerimentos que lhe foram dirigidos.

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Tanto o Ministério Público como o BES em Liquidação tinham reclamado do despacho de Ivo Rosa em que autorizou a audição de 74 testemunhas (duas por cada conjugação de factos) e em que agendou as respetivas inquirições. As testemunhas foram sendo ouvidas nas últimas semanas, incluindo o antigo primeiro-ministro Passos Coelho, e só agora, que entram as férias judiciais e só há retoma das decisões em setembro, é que chegou a resposta do juiz.

Para Ivo Rosa, é verdade que a lei impôs um imite de 20 testemunhas, mas, segundo argumenta, esta norma terá que ser interpretada “em harmonia com as finalidades da instrução”, bem como com “o princípio da igualdade de armas”, isto porque está em causa um processo de excecional complexidade, em que na acusação foram arroladas 148 testemunhas, para além dos depoimentos dos 461 assistentes/lesados.

“O direito a requerer a abertura de instrução por parte do arguido só pode operar no sentido de evitar que seja colocado em situação de desfavor face à acusação”, escreve Ivo Rosa, lembrando que o arguido tem que conseguir usufruir dos mesmos meios processuais que possam ser validamente utilizados na convicção do tribunal. Mais, diz o magistrado, o objetivo desta fase processual não se pode restringir aos factos que constam na acusação do Ministério Público, mas “também aos factos alegados pelos arguidos em sede de RAI sobre os quais o tribunal terá de tomar posição, de forma fundamentada com base em elementos probatórios no sentido de os considerar indiciados ou não indiciados”.

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Ivo Rosa contraria assim o que foi alegado pelo MP e pelo assistente BES em Liquidação, explicando que o tribunal não irá apreciar, “dado que isso não faz parte do objeto de instrução”, a resolução do BES por parte do Banco de Portugal, no entanto “terá que se pronunciar, dado que isso foi alegado pelos arguidos em causa no RAI, se as condutas imputadas pela acusação relacionadas com os crimes contra o património foram a causa dos prejuízos subjacentes a estes ilícitos ou se, como alegam os arguidos, tais prejuízos são consequência de atos de terceiros”.

Em relação ao pedido do Ministério Público que invoca uma irregularidade no despacho que agendou a inquirição de testemunhas, o juiz de instrução considerou que esse pedido foi feito fora de prazo. Ainda assim, considera que no despacho por si assinado “as razões de ciência e a factualidade sobre o depoimento de cada testemunha” estão bem assinaladas.

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Recorde-se que inicialmente os arguidos tinham pedido a audição de 217 testemunhas, que entretanto reduziram por ordem de Ivo Rosa — mas que ainda assim alimentam a preocupação do Ministério Público e do BES em Liquidação por causa do tempo da instrução e do risco de alguns dos crimes prescreverem.

Neste processo, o antigo líder do BES, Ricardo Salgado, foi acusado de um crime de associação criminosa (em coautoria com outros 11 arguidos, entre eles os antigos administradores do BES Amílcar Pires e Isabel Almeida), 12 crimes de corrupção ativa no setor privado, 29 crimes de burla qualificada, infidelidade, manipulação de mercado, sete crimes de branqueamento de capitais e oito de falsificação.

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