A intenção de excluir ou criar categorias próprias para atletas femininas transgénero é discriminatória e apenas tem como razão o preconceito, entendem associações de defesa dos direitos das pessoas transexuais, quando a questão está a ter eco internacional.

Várias federações desportivas internacionais têm vindo a tomar posição sobre esta matéria, uma questão que não surge agora pela primeira vez, mas que teve mais eco há algumas semanas quando a Federação Internacional de Natação (FINA) anunciou ter aprovado uma nova política de integração de género e criado uma categoria aberta, impedindo que as mulheres transexuais compitam nas provas de elite feminina.

Uma decisão que surge, aliás, quando a própria modalidade se viu abalada pela controvérsia envolvendo a nadadora transgénero norte-americana Lia Thomas, de 22 anos, que nasceu homem e se tornou recentemente na primeira nadadora transgénero a ganhar um título nacional universitário.

Lia Thomas fez história, foi deixada sozinha num pódio e só quer estar em Paris. Pelo meio, é a nova cara da luta dos atletas transexuais

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A Rede Ex Aequo, associação de jovens LGBTI (Lésbicas, Gay, Bissexuais, Trans e Intersexo) e apoiantes mostrou-se frontalmente contra estas decisões, lembrando que em Portugal existe proteção legal sobre esta matéria.

Mesmo não havendo legislação específica sobre o desporto, existe a lei da autodeterminação e da proteção contra a discriminação na base da identidade de género e uma lei é suposto ser aplicada em todos os contextos”, defendeu Jo Matos, membro da direção da associação.

Nesse sentido, sublinhou que se qualquer federação desportiva nacional quisesse alinhar numa tomada de posição idêntica à da FINA “iria puramente contra a lei”.

Vemos com olhos bastante negativos o facto de a própria Federação de Natação portuguesa ter votado a favor destas políticas de exclusão das pessoas trans na natação”, disse a responsável.

Para Jo Matos, o impacto que este tema está a ter internacionalmente deve servir de alerta porque “as federações internacionais estão a criar políticas específicas para estas questões, de forma discriminatória, e é preciso ter mais atenção nos próximos tempos” para que o mesmo não aconteça em Portugal.

Na opinião da responsável, o facto de federações desportivas de alta competição estarem a criar regras específicas para mulheres trans pode ter como consequência que os desportos não federados e que não são de alta competição criem políticas semelhantes.

Jo Matos frisou que isso poderá envolver o desporto escolar ou o desporto extracurricular e que poderá excluir também as pessoas intersexo, que “têm variações ao nível das características sexuais que podem não cumprir estes critérios do que é considerado aceitável para o corpo da pessoa atleta”.

Lembrou ainda que o Comité Olímpico Internacional, em 2019, emitiu uma regulamentação e recomendações no sentido de garantir a inclusão e a não discriminação de pessoas trans e pessoas intersexo no desporto, defendendo que estas decisões recentes, “apesar de não serem surpreendentes, continuam a ser chocantes”.

Na opinião de Eduarda Alice Santos, em representação do grupo Transexual Portugal, as decisões que vão no sentido de excluir totalmente ou de criar categorias próprias para pessoas trans são “pura e simplesmente uma discriminação”.

“Todos os dados de que nós temos conhecimento apontam para que com o tratamento hormonal as mulheres trans não se encontram numa posição de superioridade em relação às mulheres cis [quem tem uma identidade de género idêntica ao sexo que foi atribuído à nascença]”, defendeu.

Nesse sentido, o grupo Trans Portugal entende que “a única razão” para existirem estas decisões “é o preconceito”.

“Provavelmente fomentado por algumas mulheres cis que não conseguem atingir os seus objetivos a nível desportivo e usam as pessoas trans como desculpa”, criticou.

Jo Matos concorda que os argumentos da biologia e das hormonas “acabam por ser um refúgio que as pessoas têm em consideração quando querem regular coisas que promovem simplesmente a exclusão e a discriminação das pessoas trans”.

Sublinhou que o nível hormonal não é o único fator que influencia o desempenho dos atletas, mas que “só é tido como o mais importante, porque joga com fatores de género”.

Jo Matos disse ainda que a Rede Ex Aequo irá estar atenta aos desenvolvimentos desta questão em Portugal e agir, se for necessário.