– Foi cumprimentar o tipo do Chega?
– O presidente foi. E tu, não vais lá?
– Nem pensar.
– Ele cumprimentou.
– Pois foi. Que vergonha.

A conversa entre duas funcionárias da autarquia liderada por Pedro Santana Lopes sobre a passagem da comitiva do Chega pelo edifício municipal fazia antever tudo menos o que se tinha passado poucos minutos antes nos Paços do Concelho. Numa sala calorosa — literalmente, já que a temperatura levou quase toda a comitiva diretamente à mesa onde estavam dispostas as garrafas de água –, o encontro entre Pedro Santana Lopes e André Ventura pareceu tudo menos rigorosamente planeado.

As cadeiras até estavam formalmente dispostas, a mesa para os membros da autarquia devidamente colocada e os bancos à distância a que nos fomos habituando em tempos de pandemia, mas o encontro de pouco mais de 20 minutos haveria de fazer-se todo de pé, frente às bandeiras. Todo o cenário mais formal que estava montado foi ignorado.

Com Santana Lopes e André Ventura ao centro, os deputados e restante comitiva lá ouviram alguns pontos que o presidente da autarquia tinha para apresentar aos deputados eleitos pelos portugueses: “É preciso prestar atenção às questões das areias” (minutos antes os deputados do Chega estiveram na praia da Cova da Gala a alertar precisamente para o problema da erosão); é preciso dar “o devido reconhecimento” ao porto da Figueira da Foz “que é o porto do país, não só da Figueira”; e os temas que o Chega debateu nestes dois dias de trabalhos descentralizados foram “bem escolhidos”, continuava Santana Lopes, frisando a importância que têm no quadro atual. Mas a atenção e o objetivo do Chega com esta escolha de local, para a realização das jornadas parlamentares, haveria mesmo de ser outro. O PSD é um alvo a abater, a liderança de Montenegro é para neutralizar.

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E se há uma semana Luís Montenegro optou por fazer uma paragem estratégica, discreta, na Figueira da Foz para convidar Santana Lopes a voltar ao PSD, André Ventura traz os jornalistas e é mais direto: “Não sou eu que digo que o doutor Santana Lopes tem várias vidas, mas nunca se sabe se numa das vidas não nos encontraremos”.

Minutos antes, o hábil Santana Lopes tinha negado vir a aceitar qualquer convite de Montenegro “até porque isso implicaria a perda de mandato”, ao mesmo tempo que se dizia “mais próximo deste PSD que do anterior [com Rui Rio]”. Especialista em manter portas abertas, Santana Lopes rejeitou escolher entre PSD ou Chega, mas ao contrário das críticas que fez em tempos em entrevista à Visão, agora prefere notar o “respeito pela democracia” do Chega.

Desde a faculdade que luto pelo direito de todos a existirem e serem respeitados desde que façam jogo democrático. Na declaração de princípios do Chega, no programa do Chega, nas suas declarações tenho visto o respeito pela democracia, liberdade individual, pela sujeição a votos, o aceitar do veredicto popular, não propor revoluções e aceitando a vontade do povo. Fora outros que vejo”, notou Pedro Santana Lopes.

O ex-presidente do Aliança ainda se alegrou com a conquista “do terceiro lugar enquanto força política” do Chega. “Outros tentaram e não conseguiram, ainda bem que alguém conseguiu”, disse numa referência clara ao fracasso do partido que fundou (o Aliança) e que não conseguiu implementação à direita. Da comitiva do Chega, uma gargalhada geral e o orgulho a crescer com alguns olhares de soslaio entre todos.

Afinal, que podia ser melhor? Uma receção por Santana Lopes e o reconhecimento de que não se trata de um partido “fascista e antidemocrático” como alguns membros do PSD têm afirmado na última semana. Se os astros se alinham, este encontro pode ter sido um desses momentos. Pelo menos os astros que lutam pelo campo político da direita em Portugal.

A terminar, André Ventura ainda teve tempo para garantir que estará “do lado do referendo à regionalização” ainda que seja contra essa alteração na orgânica nacional. “O Chega vai lutar na rua contra esta regionalização. Em 2024 vai fazê-lo com muita firmeza contra a regionalização tal como está. O Governo tem tido tudo menos clareza”, diz criticando também a decisão anunciada recentemente por Luís Montenegro sobre a regionalização.

“A decisão é sobre se a regionalização é feita no Parlamento ou com referendo, não há a terceira opção que é a de não avançar. Neste momento a mais aceitável é a do referendo. O PSD não diz se é contra, Luís Montenegro diz que é contra, já parece que é o PSD que anda a reboque do Chega. Percebeu que o Chega é contra e agora é contra porque o PS vai avançar”, atirou ainda André Ventura ao PSD de Montenegro depois de o líder do social-democrata ter anunciado no Congresso que é contra a realização do referendo.

A fechar a primeira sessão legislativa de um mandato de maioria absoluta socialista, o Chega não abranda o ritmo e, depois de ter passado de um deputado único a terceiro maior grupo parlamentar na Assembleia da República corre atrás da nova liderança do PSD para tentar secar tudo à volta. Com eleições regionais na Madeira dentro de alguns meses a serem um dos maiores testes para os sociais-democratas, o Chega começa já a pressionar com temas claros em cima da mesa: revisão constitucional, regionalização e acordos à direita.