A dado momento de “The Gray Man — O Agente Oculto”, dos irmãos Anthony e Joe Russo, alguém pergunta a Ryan Gosling, que interpreta um agente super-secreto da CIA (tão secreto que o seu “dossier” pessoal só tem uma página em branco) conhecido apenas por “Six” (seis), porque é que o seu nome é um número. “Porque 007 já estava tomado”, responde este. É um dos raríssimos momentos de humor e leveza de um filme (custou 200 milhões de dólares, o mais caro produzido pela Netfilx até agora, juntamente com “Aviso Vermelho”) pesadamente elefantino, imbecilmente violento e desprovido da mais leve suspeita de subtileza.

A história escora-se numa velha premissa do filme de ação e espionagem, a do agente que se vê perseguido pelos seus. Ryan Gosling é um operacional “invisível” da CIA pertencente a um programa ultra-secreto chamado Sierra, criado no início deste século. Ele descobre, durante uma missão no estrangeiro, que está a ser manipulado para matar outros membros do mesmo programa, fica de posse de informações gravíssimas que comprometem o seu chefe e este manda-o eliminar por um antigo agente psicopata e amoral, Lloyd Hansen (Chris Evans), que se estabeleceu por conta própria depois de ter sido expulso da CIA. Dani, uma colega (Ana de Armas) vai ser a sua única aliada.

[Veja o “trailer” de “The Gray Man — O Agente Oculto”: ]

Anthony e Joe Russo são conhecidos como realizadores de filmes de super-heróis da Marvel, e aplicam a mesma receita destes em “The Gray Man — O Agente Oculto”. É tudo em grande, em modo de espectacularidade destruidora, ribombante, repetitiva e oca, e sem qualquer vestígio de consistência, esperando que o som, a fúria e o frenesim geral distraiam o espectador da abissal falta de credibilidade, de bom senso narrativo e de inteligência básica do argumento. “The Gray Man — O Agente Oculto” quer ir mais longe do que os filmes de James Bond, de “Missão: Impossível”, de John Wick e de “Velocidade Furiosa” embrulhados num só. Daí que seja incontinente de verosimilhança, hemofílico de estupidez e recordista de absurdo.

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A escrever como a realizar, os irmãos Russo têm toda a delicadeza de retroescavadoras deixadas à solta numa loja de cristais finos, esmerando-se aqui a deixar um rasto de destruição na Europa Central, que mete num chinelo a mais fulminante ação do terrorismo jihadista: imóveis inteiros reduzidos a pó em Viena, uma batalha campal no centro de Praga que dizima metade da força policial da cidade e pilhas de civis, e a obliteração de património histórico e cultural croata. Entre o cinema de ação com pés, cabeça e sentido do espectáculo, e o filme de ação descontrolado, descerebrado e cavernícola como “The Gray Man — O Agente Oculto”, não há o menor ponto de contacto. É o grau zero do género, a descida à subcave, a apoteose da nulidade.

[Veja uma cena do filme:]

Os bonecos de cartão e borracha que povoam o filme não merecem sequer a designação de personagens. À cabeça segue o Seis do canastríssimo Ryan Gosling, que tem a mesma expressão colada na cara da primeira à última cena. É uma versão à futrica de um super-herói daqueles de que Anthony e Joe Russo tanto gostam, já que leva facadas, tiros, sovas de criar bicho, é atropelado e salta de elétricos desarvorados para carros em alta velocidade, e pouco tempo depois, está fino e rijo, e pronto para outra. A conclusão a tirar de “The Gray Man — O Agente Oculto” é que a Netflix já aprendeu a enterrar uma fortuna em filmes tão ostensiva e colossalmente maus como os dos grandes estúdios de Hollywood.   

“The Gray Man — O Agente Oculto” tem estreia simultânea esta quinta-feira nos cinemas e na Netflix