Novos órgãos — com senadores do partido — e novos estatutos. Incluindo para acabar com uma corrente que alguns dentro do partido consideram incómoda. Foram esses os resultados do congresso do CDS deste sábado, em Aveiro, que foi marcado apenas com o objetivo de alterar estatutos — mesmo assim, Nuno Melo aproveitou o momento em que os cerca de 700 congressistas estavam reunidos para tentar marcar a agenda política e pôr alguns dos nomes mais conhecidos do partido a fazer intervenções políticas.

Os novos estatutos promovidos pela direção de Nuno Melo foram aprovadas por uma maioria esmagadora (609 votos a favor, 18 contra e 20 abstenções) e, em sentido inverso, as propostas alternativas foram chumbadas de forma também clara — a de Nuno Correia da Silva, que chegou a apresentar uma moção para liderar o CDS no último congresso, teve 514 votos contra e 63 a favor e 70 abstenções, e a do militante José Augusto Gomes teve 594 contra, 42 abstenções e 11 a favor.

As alterações que ficaram aprovadas trazem várias mudanças à organização interna do CDS. Desde logo, o fim da corrente interna Tendência Esperança e Movimento (TEM) — na verdade, era a única que existia, mas a alteração proposta por Melo visava o fim da hipótese de formar correntes específicas dentro do CDS, precisamente com o argumento de que só existe até hoje uma, isso “mostra que a eficácia do instrumento é nenhuma” e que serve apenas para que “pessoas entrincheiradas” se concentrem em “processos de purificação ideológica” dentro do CDS.

Um argumento que foi rebatido pelo porta-voz da TEM, Mário Cunha Reis, que acusou o presidente do partido de querer uma organização ao estilo de um “comité central”, como cita a Lusa. “O senhor presidente e alguns dos que o acompanham mais de perto desejam o poder absoluto, controle total e escrutínio mínimo”, atirou.

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Os protagonistas desta corrente foram sempre críticos do ‘portismo’ e, sobretudo, representantes da ala mais conservadora e à direita do CDS. Chegaram a contar com representação (além das inerências) na direção, no tempo de Francisco Rodrigues dos Santos, com a escolha do então porta-voz da TEM, Abel Matos Santos, como vogal da comissão executiva. Mas não durou muito: menos de duas semanas depois de ter passado a integrar a direção, Matos Santos demitiu-se na sequência da polémica por causa de textos antigos que tinha escrito no Facebook, em que elogiava Salazar e a PIDE e chamava a Aristides de Sousa Mendes “agiota de judeus”.

Críticas ao Governo e a emoção da bandeira azul

O momento mais emotivo do congresso aconteceria, já quase no final, quando Telmo Correia discursava sobre as bandeiras do CDS. Tinha levado consigo para o púlpito uma bandeira — uma bandeira azul e amarelo forte, do CDS vintage — e lá explicou que, no momento em que o CDS saiu do Parlamento algo que não lhe pertence ficara à sua “guarda”: a bandeira do partido que costuma estar no gabinete do presidente do grupo parlamentar. Telmo Correia, vice-presidente e amigo próximo de Melo, emocionou-se e fez questão de lha entregar: “O nosso objetivo tem de ser colocá-la no coração dos portugueses”.

Melo agradeceu o gesto, prometeu que a bandeira será hasteada na sede do partido — no Largo do Caldas, em Lisboa, numa sede que é do “CDS e de mais ninguém”, atirou, em resposta à suposta intenção do Chega de comprar o edifício. Mas, reconhecendo a “comoção” do momento, explicou que o lugar da bandeira é mesmo na Assembleia da República. “Queira Deus que ainda ali possa ser entregue pela minha mão”. 

De resto, Melo anunciou que será preparado um novo programa do CDS, que deverá estar pronto daqui a seis meses, e lançou-se à oposição. O Governo parece “velho, desgastado e principalmente dividido” e tem a confiança de que “Portugal não aguenta mil dias de um Governo assim” — uma narrativa que ajuda a aumentar os ânimos dos democratas-cristãos, acreditando que a maioria absoluta pode acabar mais cedo e que o CDS pode ter hipóteses de voltar ao Parlamento antes de 2026.

Melo aproveitou o conflito entre Pedro Nuno Santos e António Costa para criticar o Executivo, mas também a gestão dos incêndios ou as crises no SNS, acabando por assegurar que “neste momento o Parlamento faz muito pouca diferença”, como fez pouca diferença a moção de censura do Chega — “um frete”. E usou essas conclusões para tentar animar as hostes: “É muito importante que a oposição não se faça hoje apenas no Parlamento, grande parte pode-se fazer fora. Voltaremos, espero eu, pela porta grande”.

Falar de futuro para ultrapassar o “acidente de percurso”

Se houve tónica que o presidente do partido quis deixar foi que o congresso tinha a ver com o “futuro”, e até com “superação”. “Não tem que ver com passado, embora nos sintamos muito honrados pelo nosso passado. Este congresso é presente e está focado no futuro”, afirmou. E o presidente da mesa, José Manuel Rodrigues, descreveu a perda de representação parlamentar do CDS, nas eleições de janeiro, como “um acidente de percurso”, garantindo que “os portugueses já concluíram que o CDS faz falta a Portugal”.

Por isso mesmo, Melo quis aproveitar o momento, que já não fazia, formalmente, parte dos trabalhos do congresso, para organizar uma sessão com intervenções políticas, todas elas viradas para fora e defendendo bandeiras do CDS, e todas de nomes bem conhecidos do partido e do ‘portismo’, que regressou à cúpula com a sua eleição, em abril.

A ex-deputada Cecília Meireles, que no consulado de Rodrigues dos Santos decidiu que nesse contexto não voltaria a candidatar-se ao Parlamento, falou da “enorme perplexidade” com a indecisão relativa ao novo aeroporto de Lisboa e, apontando o dedo ao Governo por “andar em crises políticas” em vez de tomar decisões, questionou “quanto custa” continuar a adiar o aeroporto.

A cargo do antigo ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social no tempo de Passos Coelho, Pedro Mota Soares, ficou a parte social, argumentando que com a guerra e as consequências na inflação — “o mais injusto e cego dos impostos — se nota que o Governo “não quis preparar Portugal e fazer reformas estruturais necessárias para nos dar músculos para tempos difíceis” e precisa agora de fazer um “verdadeiro acordo” sobre salários e preços na concertação social. O objetivo, defendeu, deve ser uma proposta de aumentos de salários isentos de impostos.

Outra bandeira do partido foi defendida pela porta-voz do partido, Isabel Galriça Neto, que no Parlamento se focava nos assuntos da Saúde e sempre foi o rosto principal da luta contra a despenalização da eutanásia, e aproveitou para fazer isso mesmo na sua intervenção. Reafirmando que o CDS está “na primeira linha do combate à eutanásia”, criticou: “[A eutanásia] não é uma alternativa aos cuidados paliativos, não se enganem. Podem chamar-lhe unicórnios, borboletas e flores — morte medicamente assistida, morte com dignidade — a natureza do ato é a mesma: uma execução da morte”.

Com uma intervenção também do secretário geral da Confederação dos Agricultores, Luís Mira, para tentar mostrar que o partido está aberto à sociedade, os democratas-cristãos não resistiram, ainda assim, em pelo meio das intervenções mais programáticas e de futuro fazer algumas referências de ânimo sobre o estado do partido.

Galriça Neto disse ter “orgulho” em ver o CDS reunido; Francisco Camacho, líder da Juventude Popular, disse nunca ter visto o partido numa situação tão difícil mas também nunca ter tido tanta “esperança”; e Mota Soares assegurou ver com satisfação a “vitalidade” do congresso, assegurando: “Sei que há muitos lá fora que dão o CDS por morto, mas a notícia da nossa morte foi claramente exagerada“. A prova disso, ou do contrário, acontecerá quando o partido voltar a ir a votos.

Lobo Xavier e Morais Leitão nos novos órgãos

De resto, as alterações confirmam a criação dos novos órgãos propostos pela liderança de Nuno Melo. O presidente do partido anunciou desde logo que convidará para presidir ao novo gabinete de Apoio Estratégico e Programático, como relata a Lusa, António Lobo Xavier e Miguel Morais Leitão. No caso do novo gabinete de Comunicação, ficará a cargo de Maria Luísa Aldim, vice-presidente do partido.

Melo criará ainda o gabinete de Relações Internacionais, que será presidido por Luís Queiró (antigo presidente da mesa do Congresso).

Texto atualizado às 19h02 com o discurso de Nuno Melo.