Em Depois, Stephen King dá-nos o habitual: bom entretenimento com elementos sobrenaturais. Aqui, temos a história de Jamie Conklin, contada na primeira pessoa. Filho de uma mãe solteira, Jamie quer uma infância banal. Mas, além de se debater com os sentimentos mistos que tem por Liz, a namorada da mãe, ainda tem um pequeno detalhe que lhe molda os dias: é capaz de ver mortos.

Como é normal em Stephen King, o preâmbulo está bem montado. Até se chegar ao cerne da questão, são 112 páginas de familiarização com as personagens. Quando a ação chega, o leitor já está lá dentro, já conhece as reviravoltas que a família Conklin conheceu, com a editora em que a mãe trabalha a passar por problemas financeiros, culminando estes na morte do autor que lhe garantia o sustento. Ao morrer, deixou um livro por terminar, e os três milhões de dólares de avanço teriam de ser devolvidos. É Jamie quem acaba por salvar a situação, conhecendo o enredo da história por escrever através de conversas com o morto. Aqui e noutros pontos do livro, Stephen King optou por misturar o discurso directo com o discurso indirecto, numa estratégia discursiva dinâmica que lhe permitiu extrair o mais eficaz das duas técnicas – não apenas temos a cabeça do miúdo como vemos as personagens dentro do cenário.


Título: Depois
Autor: Stephen King
Editora: Bertrand
Tradução: Cristina Lourenço e Maria João Lourenço

Stephen King tem o hábito de nunca ceder espaço ao acessório, transformando tudo em acção, mas não deixando as personagens como elementos autómatos em movimento. Aliás, uma grande parte da acção serve para ir articulando os elementos de tensão entre as personagens, e mais uma vez o autor volta, como o fez em The Shining, a explorar os efeitos do alcoolismo. Este é um dos seus principais méritos: nunca vai à discussão inane, nunca tem necessidade de explicar o que é visto. Em vez disso, dá a ver. E o leitor, tal como Jamie, vê as garrafas de álcool espalhadas pela casa, a confusão associada à ressaca, a falta de cuidados que o vício impõe, e ainda sente o cheiro do vinho ou do whiskey ou do que for.

Partindo de um núcleo em que já há ligações emocionais fortes, com Jamie como narrador, a mãe como elemento que possibilita a narrativa e Liz, agora ex-namorada da mãe, como polícia que instrumentaliza a capacidade de Jamie para resolver um carro, Stephen King mete elementos de crime e de mistério que muito fazem lembrar o romance Sr. Mercedes. Desta vez, em causa está um morto que deixou uma bomba para trás, não se sabe onde. O elemento do terror, aliado à voz e à percepção de uma criança, ainda nos remete para A Coisa, obra em que King mais explorou os medos naturais da infância.

Depois, não sendo o mais ambicioso dos romances de Stephen King, cumpre com os seus propósitos: cria intimidade entre personagens e leitores, alia elementos sobrenaturais aos assuntos corriqueiros da vida, desenvolve uma acção que agarra e resolve-a no fim. Fiel ao que já defendeu em Escrever, o livro começa já dentro da acção: não é preciso agarrar o leitor porque este já foi metido lá. De seguida, a história aparece bem montada e as partes de mistério vão sendo resolvidas devagar, num ritmo que nunca encontra solavancos. Não sendo grande literatura, é bom entretenimento.

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