O coordenador internacional do Slave Wrecks Project, Stephen Lubkemann, afirmou que o momento atual é uma oportunidade para que Portugal tome a liderança, a nível europeu, na investigação sobre tráfico de escravos, tendo em conta o seu papel histórico.

Em entrevista à agência Lusa, Lubkemann lembrou que, em 2023, a Sociedade internacional de Arqueologia Histórica vai organizar a sua conferência anual em Lisboa, no que será a primeira vez que o evento acontece na Europa continental (em 2005 e 2013 deu-se no Reino Unido).

“Vamos organizar lá, nessa altura, uma série de painéis de pesquisadores da rede internacional e também de Portugal”, afirmou o arqueólogo marítimo e cofundador do projeto internacional Slave Wrecks (“Naufrágios de Escravos”, em tradução livre), uma rede que reúne investigadores de múltiplos países para estudar o tráfico de escravos a nível mundial, tendo como um dos principais destaques a descoberta dos destroços do São José, que embateu contra rochas ao largo da África do Sul, em 1794, proveniente de Moçambique com o Brasil como destino, causando a morte a mais de 200 dos 500 escravos que transportava.

O objetivo da conferência em Lisboa será “mobilizar o interesse quer académico quer público à volta desta temática, de perceber um pouco melhor o seu papel dentro das correntes principais da história“, pretendendo, “a seguir, organizar um simpósio sobre o tráfico negreiro e memória social ou pública e trazer alguns interlocutores de outros museus, por exemplo Liverpool, França, daqui dos EUA, outros sítios que estão a reimaginar como é que se conta esta história ao público”.

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Como recorda a página do Slave Wrecks Project, “o tráfico de escravos transatlântico foi a maior migração forçada de pessoas na história do planeta.

Desde 1400, mais de 12 milhões de africanos foram capturados e traficados pelo mundo Atlântico. Por altura de 1700, sete milhões de africanos haviam sido traficados para as Américas”.

Lubkemann frisou que “há uma grande oportunidade, um momento oportuno de ver se Portugal e a comunidade de investigação portuguesa, a comunidade de pessoas ligadas a questões do património, a memória social, se querem tomar um papel de liderança em termos de levar este tipo de trabalho em frente na Europa”.

O investigador da Universidade de George Washington ressalvou que a “comunidade de arqueologia subaquática [portuguesa] é muito bem conhecida há muito tempo”, mas não tem abordado o assunto do tráfico de escravos.

“Vamos examinar isso, abrir essas conversas e ver onde é que vai dar”, disse Stephen Lubkemann, sublinhando que têm tido conversas com investigadores em Portugal, sobre se “realmente está na hora de um dos países europeus que [estiveram] mais envolvidos nesta história, tomar ‘ponta de lança’ em termos de engajamento com isto”.

O investigador reconheceu que o despertar para a temática do tráfico de escravos é um fenómeno recente, pelo menos nos Estados Unidos da América, na sequência de movimentos como o Black Lives Matter, por exemplo, tendo sido algo “esquecido” durante muito tempo.

“É uma temática difícil, que exige a cada nação, a cada protagonista, dar uma vista de olhos muito a fundo num espelho histórico que não é aquela [história] que mais se quer celebrar. Mas há razões importantes para olhar para o espelho e ver o espelho na sua totalidade”, declarou, realçando que o momento atual é “encorajador”, com muito interesse gerado junto da comunidade estudantil.

A conferência internacional da Sociedade de Arqueologia Histórica vai acontecer em Lisboa, entre 4 e 7 de janeiro de 2023, subordinada ao tema “Revisitando Arqueologias Globais”. O prazo para submissão de artigos terminou na sexta-feira, dia 15 de julho.