Não precisamos necessariamente de dragões, de magia ou de enredos convolutos para termos uma boa série ou um filme apresentável sobre dramas maquiavélicos envolvendo realeza ou luta implacável pelo poder. É isso que mostra a realizadora dinamarquesa Charlotte Sieling em “Margrete — Rainha do Norte”, que se escora em factos históricos para desenvolver uma ficção realista de costado especulativo. Em 1397, a poderosa e hábil rainha Margrete I da Dinamarca conseguiu, através da chamada União de Kalmar, juntar sob a sua tutela, o seu reino, o da Suécia (que nessa altura abrangia também a Finlândia) e o da Noruega. Este acordo duraria até 1523, apenas com algumas interrupções pontuais.

Após a morte súbita do seu filho e sucessor Olaf, aos 17 anos, Margrete ficou como regente, levando depois ao trono, quando atingiu a maioridade, Erik da Pomerânia, seu sobrinho-neto e filho adotivo, sendo ela quem governava “de facto” o país e a monarquia tripartida. Em 1402, apareceu um homem que dizia ser Olaf, que afinal não tinha morrido e reivindicava os seus direitos de filho e de sucessor. Levado perante a rainha, provou-se ser um impostor prussiano que mal falava dinamarquês. O “Falso Olaf”, como ficou conhecido, foi condenado a ser queimado vivo, com uma coroa de latão na cabeça e as cartas que tinha escrito à rainha atadas ao pescoço. Mas e se Olaf fosse mesmo que dizia ser? É deste “what-if”, deste “e se”, que parte “Margrete — Rainha do Norte”.

[Veja o “trailer” de “Margrete — Rainha do Norte:]

Charlotte Sieling, que também escreveu o argumento do filme, com Jesper Fink e Maya Ilsoe, não está interessada em batalhas épicas nem em descrever como foi conseguida a União de Kalmar. Ela quer mostrar as movimentações políticas na corte dinamarquesa e fora dela com base neste fio especulativo, e as respetivas implicações governativas, pessoais e emocionais sobre a monarca. Pelo que “Margrete — Rainha do Norte” é uma fita quase toda passada em interiores, “de câmara”, em que Margrete I (Trine Dyrholm) faz de pivô narrativo e dramático de um enredo que acaba por a pôr perante um terrível – embora ficcional – dilema salomónico, em que a estadista, mas também mulher e mãe, tem que escolher entre o que lhe diz o coração e o que lhe dita o interesse coletivo.

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[Veja uma entrevista com Trine Dyrholm:]

Mesmo abdicando de grandes e complexas sequências de ação (o filme abre com o rescaldo de uma batalha, e fecha com uma execução pública) e centrando-se principalmente nas múltiplas atuações e conspirações dos vários protagonistas, que procuram concretizar ou defender os interesses de grupo, nacionais ou coletivos, e os seus projetos pessoais de poder (há uma importante aliança com a Inglaterra a ser negociada por Margrete, que envolve um casamento real e concessões problemáticas, e também uma ameaça germânica a rondar) “Margrete-Rainha do Norte” nunca se torna arrastado, pesado ou opaco.

Produzido pela Dinamarca, Suécia, Noruega, Islândia, Polónia e República Checa (onde foi integralmente rodado), “Margrete — Rainha do Norte” tem uma magnífica Trine Dyrholm (“Nico, 1988”, “A Comunidade”, “Rainha de Copas”) no papel do título, que não necessita de recorrer aos expedientes do “overacting” ou do dramalhão para obter a atenção da câmara e do espectador. A sua Margrete é inteligente, cautelosa e habituada e mandar e ser obedecida, mas tem também as vulnerabilidades de mulher e de mãe, não sendo impermeável à dúvida e à incerteza. E basta um olhar a Dyrholm para expressar a angústia de uma escolha cruel que atira a monarca contra a mãe, ou a dor de quem vê um filho morrer pela segunda vez. Este Verão, em vez de super-heróis e de dragões digitais “made in Hollywood”, vá ver uma ficção histórica europeia.