A crítica e o público aclamaram-no, e então O fim é o princípio chegou a Portugal. Já publicado em mais de 25 línguas e prestes a ter uma adaptação televisiva, o romance, assim que começa, parte num movimento de expansão.

No centro da narrativa, temos Duchess e Walk. Duchess tem 13 anos, é surpreendente e destemida. É logo ela quem se intitula “fora de lei” e assim vai agindo em todas as interacções com os adultos. Com uma mãe negligente, Star, é ela quem toma conta de Robin, o irmão mais novo. Walk é chefe da esquadra de Cape Haven (Califórnia), de onde nunca saiu. A sua visão é curta, o seu conhecimento do mundo também. No livro, tudo faz para proteger Duchess e Robin, movido pela necessidade de sarar uma ferida antiga. Fora ele a testemunhar contra Vincent, mandando-o para a cadeia, condenado pelo homicídio da irmã de Star, então com 7 anos. Não bastasse e Vincent era o seu melhor amigo. As relações entre as personagens são logo marcadas por um fio de passado que molda o presente, não respirando um sem o outro.

Tudo co-existe e o tempo vai passando. Volvidos trinta anos, Vincent está quase a acabar a pena. A aparente linha narrativa linear começa então a sujar as mãos, com os conflitos interiores que levam a ideias de vingança e a cogitar-se uma ideia de justiça.


Título: “O fim é o princípio”
Autor: Chris Whitaker
Editora: Bertrand Editora
Tradução: Vasco Teles de Menezes
Páginas: 398

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Ver Duchess em acção, construída para ter uma dimensão quase épica, traz uma substrato evidente de auto-preservação. A aparente rigidez é o resultado de um endurecimento à força, e este aparece bem entrelaçado com a necessidade de proteger quem ainda precisa de protecção. Além do irmão, vai tomando conta da mãe, depois de ter sido desprovida de infância e amigos, tendo tido de crescer à pressa. Ali, a sobrevivência impôs-se a qualquer coisa, daí que a dureza de todos os momentos tenha a força da necessidade. A figura tem peso na narrativa, até porque rompe com os clichês. Ao mesmo tempo, vê-la em acção acorda, não apenas pelas frases que são como tacadas, mas também pelo ponto em que a narrativa está, em que o que sempre existiu se cruza com a novidade, espoletando o movimento das personagens.

O ponto alto será o permanente tratamento das emoções das personagens. Há sempre um estado de espírito, há sempre tensão que desencadeia um episódio e marca o desenvolvimento psicológico. No eixo Walk-Vincent, há sempre confusão, e fica ali à vista que tudo tem consequências. O testemunho do primeiro condenou o segundo, mas nada disso implica um afastamento emocional. As personagens são sempre construídas do ponto de vista da tensão interior e é isso que têm a dar à narrativa, sendo também o que a compõe. Ao longo, dão há grandes considerações filosóficas sobre a vida, o sentido da vida, a justiça da vida – mas há a vida. E a vida desabrocha no romance, desfiada no drama familiar que se vai desenvolvendo.

A mão de Whitaker é firme, conduzindo a história sem dificuldades. Por sua vez, o leitor também não tem dificuldades – segue embalado, quase sem outro remédio. Nas suas mãos, tem uma linha narrativa calibrada, com personagens que sabem a gente viva. O contexto é tratado como parte do texto, estando as paisagens como coisa viva, vendo-se tudo em acção em simultâneo. Os outros elementos da acção, que trazem forçosamente a carga emocional, implicam quase tudo o que é dramático na experiência humana: a negligência, o sacrifício, os segredos, a coesão de uma família, a protecção dos mais fracos, a vingança, o assassinato, o arrependimento. Em O fim é o princípio, nada é estático e não se sabe bem para que serve a redenção. Por sua vez, a destruição emocional também aparece como forma de calibramento interno. Em poucas centenas de páginas, Whitaker foi a todo o lado.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia