O Vitória de Guimarães está contra a inclusão de um episódio de um jogo de 2020 num manual de Filosofia. O “Ágora”, um manual da disciplina de Filosofia para o 10.º ano de escolaridade, recorre a um episódio que decorreu num jogo de futebol entre o Vitória de Guimarães e o Futebol Clube do Porto para abordar o tema do racismo.

O jogo, que decorreu em fevereiro de 2020, ficou marcado pelos cânticos racistas dirigidos contra o futebolista Marega, situação que ficou até conhecida como “Caso Marega”. Aos 71 minutos da partida, pouco depois de o futebolista ter marcado o golo que deu a vitória aos portistas, alguns adeptos fizeram sons onde imitavam macacos. O jogador de futebol acabou por abandonar o relvado, revoltado com a situação.

Mais de dois anos depois da polémica, que terminou com a condenação de três pessoas, a situação chega a um manual de Filosofia. Indignado, o Vitória Sport Clube pediu que este episódio fosse retirado do livro. Porto Editora já respondeu, pedindo desculpas e dizendo que vai anular esse texto do manual escolar, nos exemplares ainda não impressos.

Através de comunicado partilhado no site, intitulado “Em prol das gerações futuras”, o clube de futebol indica que a inclusão desta situação no manual “potencia a criação de um estigma injustificado sobre milhares de adeptos e sobre um clube que celebra, dentro de dois meses, o seu centenário”. Além disso, o emblema vimaranense recorda também que foi absolvido de todas as acusações.

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O clube refere que o posicionamento ético feito no livro, “levado a cabo por um pivot do telejornal de um canal generalista português, ao “relatar” os acontecimentos do passado dia 16 de fevereiro de 2020, em que o jogador Marega abandonou o terreno do Estádio D. Afonso Henriques”, poderá criar um estigma contra o clube.

A condenação pública foi rápida (e televisionada ao som do vento…), a assunção de culpa foi traçada, um estigma generalizado foi criado. Quem tão depressa quis julgar e moldar a opinião pública, não foi tão célere a repor a verdade sobre os factos decididos pelos trâmites do sistema judicial português que, depois de colocados em marcha, resultaram no pedido de desculpas por parte de três espetadores que estavam nas bancadas do D. Afonso Henriques naquele jogo, assim como as absolvições, em todos os processos em que o Vitória Sport Clube era réu. Repetimos, para que os ventos possam levar esta verdade irredutível: o Vitória Sport Clube foi absolvido de todos as acusações referentes a este caso”, vinca o clube no comunicado.

Segundo o Correio da Manhã, a associação VitóriaSempre acusa os autores do manual – Susana Teles de Sousa, Isabel Pinto Ribeiro e Rui Areal – de um “aproveitamento” desta situação para “moldar opiniões e formar mentalidades”. Este comunicado refere que esta situação poderá levar os alunos a condenar os adeptos do Vitória.

A associação vai mais longe nas medidas exigidas, diz o CM, pedindo mesmo à direção do clube que recorra a uma providência cautelar para impedir que o livro seja estudado nas escolas. A associação pede ainda que seja instaurada uma queixa-crime por difamação aos autores e que se reúna com as entidades governamentais, em especial com o Ministério da Educação.

Esta situação no jogo de 2020 terminou com a obrigação de três adeptos publicarem um pedido de desculpas público ao jogador de futebol Marega. Ficaram ainda interditos de aceder a qualquer recinto desportivo como espectadores, por um período de um ano e obrigados a pagar três mil euros ao Estado.

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Porto Editora pede desculpa e vai corrigir texto nos livros que não foram impressos

A Porto Editora contextualiza que os autores do manual “abordam o tema da subjetividade moral”, com o intuito de “levar os alunos a uma reflexão crítica e a uma tomada de posição a partir de notícias e de casos atuais e mediáticos, tal como é enunciado nas Aprendizagens Essenciais «Aplicar estas posições na discussão de problemas inerentes às sociedades multiculturais.», definidas pelo Ministério da Educação.”

A editora nota que “os alunos são orientados a interpretarem o tema através de uma perspetiva subjetivista e, em oposição, segundo uma visão crítica do subjetivismo”. “O comunicado da Associação Vitória Sempre omite a primeira, em que os autores referem: «Se fosses subjetivista, terias que avaliar este caso, que foi tão mediático, como um momento em que os adeptos do Vitória Sport Clube decidem expressar os seus sentimentos de desaprovação perante um jogador. Como tal, as atitudes que decorreram deste sentimento de desaprovação não podem ser consideradas objetivamente erradas e terás que as respeitar». Por isso, é errado afirmar que este manual potencia a «criação de um estigma injustificado sobre milhares de adeptos», como refere o comunicado entretanto emitido pelo clube vitoriano”, diz o esclarecimento da Porto Editora.

“Pelo contrário, promove a análise, discussão e debate de um tema segundo diferentes perspetivas, método
reconhecidamente profícuo no processo de ensino-aprendizagem.”

No entanto, a Porto Editora refere que “os autores do manual referem-se aos adeptos do Vitória Sport
Clube como os autores dos insultos racistas, tal como foi dito publicamente em vários órgãos de comunicação social nos dias seguintes ao acontecimento de 17 de fevereiro de 2020.” Uma vez que a Justiça “absolveu o Clube de tais acusações e foram multados três espectadores que estavam no estádio”, a Porto Editora pede “desculpa ao Vitória Sport Clube e ao adeptos vitorianos (…)”. A Porto Editora explica ainda que vai proceder à correção do texto, nos livros escolares que ainda não foram impressos.

A Porto Editora vinca que em 78 anos de atividade fez parte da formação de várias gerações, compromisso que pretende continuar a desempenhar. “Nesse sentido, manifestamos a nossa disponibilidade para, em conjunto com o Vitória Sport Clube (e outras instituições que pretendam associar-se), desenvolver iniciativas dirigidas às comunidades educativas de todo o país, para abordar as questões multiculturais no desporto, que tantas vezes é um importante fator de inclusão.”

(Atualizado para incluir declarações da Porto Editora)