Cerca de uma centena de médicos internos de Ginecologia/Obstetrícia assinaram a carta enviada à ministra da Saúde que, entre outras matérias, informa a tutela da entrega de escusas de responsabilidade para quando as escalas de urgência não cumpram o regulamento.

De acordo com dados fornecidos à Lusa pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), assinaram o documento a nível nacional cerca de 100 internos de Ginecologia/Obstetrícia de todo o país, de um total de 280.

Na carta, os internos informam que entregaram “minutas de escusa de responsabilidade” para os casos em que estiverem destacados para trabalho em urgência e as escalas não estiverem de acordo com o regulamento sobre a constituição das equipas médicas nestes serviços.

Informam também que entregaram a nível individual e junto das respetivas administrações hospitalares “a minuta de recusa de realização de mais de 150 horas extra/ano”, em conformidade com o disposto no Regulamento do Internato Médico”, assim como a minuta de recusa de realização de mais de 12 horas, a título de trabalho suplementar, a cumprir num único período, em cada semana de trabalho.

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Sublinham na missiva que, tendo em conta as exigências laborais, “a formação dos médicos internos se encontra comprometida, uma vez que estes constantemente asseguram as escalas de urgência” e consideram insuficientes as medidas até esta quarta-feira aprovadas pelo Governo para a resolução das dificuldades sentidas diariamente na prestação de cuidados.

Em declarações à agência Lusa, Mónica Mamede, presidente da comissão de internos do SIM, explicou que a carta envolve cerca de 100 internos de Ginecologia/Obstetrícia de todo o país e que muitos outros que não assinaram, mas já tinham entregue a escusa de responsabilidade quando a carta surgiu. “Na verdade, poderão ser um pouco mais”, disse.

A responsável afirmou que todos estes internos já ultrapassaram o limite das 150 horas extra/ano — que atingiram em março, abril e maio — e que a questão é não só transversal no país como também a diversas especialidades.

A situação não é nova, acontece todos os anos. Já era assim no pré-covid”, explicou, sublinhando o facto de muitos médicos terem vindo a sair do Serviço Nacional de Saúde (SNS), “deixando os serviços desfalcados”, o que faz com que sejam exigidas mais horas extra do que o habitual, “que já ultrapassava as 150 horas/ano”.

Mónica Mamede, que fez parte da Associação Nacional de Estudantes de Medicina, lembra que já em 2013/2014 tinham feito uma carta a avisar que a situação ia chegar a este estado, insistindo que o que estes profissionais recebem (8 euros/hora) não se coaduna com a responsabilidade do seu trabalho.

A profissional de saúde, que é interna em anestesiologia, lembrou que os especialistas têm saído para o privado e sublinhou a posição fragilizada dos internos, que acabam por “ser mão-de-obra para tapar todo e qualquer buraco a um preço muito apetecível e quase com a impossibilidade de dizer não”.

As escalas estão a ser depauperadas, quer no numero de médicos em absoluto, quer na diferenciação dos médicos necessária para essas escalas”, acrescentou.

Lembrou igualmente que os internos, para terminarem o internato, têm uma série de normas curriculares para cumprir, com pós-graduações, por exemplo, e que os custos são por eles suportados. Durante o internado, acabam por ter de gastar entre 2.000 e 10.000 euros, acrescentou.

Também em declarações à Lusa, Susana Costa, interna de Ginecologia/Obstetrícia no Hospital São João, no Porto, contou que a maior parte dos internos daquela unidade assinou um documento de escusa da realização de mais de 24 horas de urgência semanais (12 são de horário e 12 extraordinárias).

A interna reafirmou que a situação é transversal a todo o país e a diversas especialidades, sublinhando a questão da degradação do SNS e a saída de especialistas.

Isto é uma medida dos internos de Ginecologia/Obstetrícia, contudo é para manifestar que o Serviço Nacional de Saúde se está a degradar e a nossa formação também e igualmente porque não há condições para os especialistas, que é quem nos ensina, ficarem no SNS”, afirmou.

“Se os especialistas saem não temos quem nos ensine e nos passe o ‘know-how’ da especialidade”, sublinhou.

Os pedidos de escusa visam excluir a responsabilidade individual em sede disciplinar por falhas de diagnóstico e/ou terapêutica condicionada por mau funcionamento dos serviços e que afetem o cumprimento da boa prática médica.