Carolina Carvalho e Nádia Charepe são médicas da especialidade de Ginecologia e Obstetrícia na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. Não quiseram ficar “caladas” nem “deixar um vazio” face aquilo que descrevem como “preocupações antigas”. Por isso, subscreveram uma carta na qual, em conjunto com mais 80 médicos internos da mesma especialidade “do Algarve ao Norte do país”, pedem ao Governo escusa de responsabilidade quando as escalas de urgência não estiverem de acordo com o regulamento.

O objetivo é claro: mostrar que as medidas aprovadas até agora pelo Governo são insuficientes e colocar pressão para verem atendidas as reivindicações. Em declarações ao Observador, Carolina Carvalho revela que a carta enviada ontem ao final da tarde à ministra da Saúde começou a ser redigida “há mês e meio” e que a ideia partiu de um conjunto de médicos internos de Ginecologia e Obstetrícia.

Há muito tempo que nos debatemos com constrangimentos nas urgências, mas vimos na atenção dada pela comunicação social e, posteriormente, nas negociações que houve, que nós, médicos internos, não estaríamos a ser incluídos no pagamento das horas extra. Isso despoletou o nosso interesse em elaborar uma carta de intenções e explicar a nossa preocupação face a tudo o que temos vivido no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A situação tem-se agravado de forma muito intensa. Decidimos não ficar calados. Queremos uma alteração de atitudes e que o Governo tome medidas”, afirma Carolina Carvalho.

Para além das escusas de responsabilidade, os médicos avisam que vão também entregar, a nível individual e junto das respetivas administrações hospitalares, a minuta de recusa de realização de mais de 150 horas extra por ano em conformidade com o regulamento do internato médico e ainda a minuta de recusa de realização de mais de 12 horas, a título de trabalho suplementar, a cumprir num único período, em cada semana de trabalho.

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Médicos de Ginecologia e Obstetrícia de todo o país pedem escusa de responsabilidade nas urgências

Em declarações ao Observador, Nádia Charepe, também subscritora, fala numa “carta coletiva” e “revista por todos”.

Existe uma diminuição da capacidade da formação dos internos. Não temos as condições necessárias para podermos fazer a formação que precisamos. Temos de investir muito do nosso tempo e capital monetário para a fazer. Se não existirem condições, esta formação pode estar em risco, assim como o futuro do SNS”, alerta Nádia Charepe.

As médicas avisam que, sem condições, o Serviço Nacional de Saúde vai continuar a perder atratividade. Ao mesmo tempo, Carolina Carvalho e Nádia Charepe alertam para a diminuição das condições de segurança dos utentes, a “preocupação fundamental” destes profissionais de saúde.

Até agora, o Ministério da Saúde não respondeu à carta com o pedido de escusa de responsabilidade sempre que as escalas não estiverem asseguradas. Mas as médicas da Maternidade Alfredo da Costa acreditam que essa resposta vai chegar. “A esperança é o que nos move neste momento”, afirma Nádia Charepe. “O facto de estarmos todos juntos e de assinarmos uma carta coletiva tem um grande impacto”, acrescenta.

Ouça aqui o testemunho das médicas:

Médicos. Pedido de escusa de responsabilidade é “grito de alerta”

Na carta enviada a Marta Temido, os médios internos de Ginecologia e Obstetrícia lembram que auferem uma remuneração líquida entre 8,02 e 8,35 euros por hora (entre 1.283 e 1.336 euros por mês com semana de 40 horas) durante os primeiros seis anos em que trabalham para o SNS.

Sindicato Independente dos Médicos fala em “grito de alerta”

Para o presidente do Sindicato Independente dos Médicos, a carta enviada ao Governo é um “autêntico grito de alerta” por parte destes profissionais de saúde. Jorge Roque da Cunha afirma que estes clínicos “não têm medo de afirmar que é preciso investir” no Serviço Nacional de Saúde. Em declarações ao Observador, o responsável reforça também que é a saúde da população que está em causa.

Quando se emite uma minuta, quer dizer que a população não pode recorrer a locais onde existe falta de condições de atendimento. Por isso, esperamos seriamente que o Ministério da Saúde ouça estes médicos para que eles continuem, no futuro, no SNS”, explica Roque da Cunha.

O presidente do Sindicato Independente dos Médicos lembra que a escusa de responsabilidade só entra em vigor quando as escalas, “nomeadamente dos serviços de urgência” não estão asseguradas: “Estes médicos internos afirmam que, caso as escalas estejam abaixo dos mínimos, a responsabilidade se algo correr mal terá de ser transferida para os superiores hierárquicos — Nomeadamente, as direções clínicas e direções dos hospitais”.

Roque da Cunha reforça que o SNS precisa de “investimento sério” e pede uma reação à ministra da Saúde, Marta Temido.

Escusa de responsabilidade tem “efeito mediático”, mas não é “escudo legal”

A declaração de escusa de responsabilidade serve para acautelar uma eventual responsabilidade disciplinar, civil ou criminal dos profissionais de saúde se algo acontecer com um dos seus doentes, tendo em conta o número de pessoas a seu cargo.

Mas o que significa isto na prática, do ponto de vista do funcionamento de um hospital? Em declarações ao Observador, o jurista e especialista em Direito do Trabalho, Luís Gonçalves da Silva, resume: “A escusa de responsabilidade não é um escudo legal para afastar toda e qualquer responsabilidade do profissional de saúde”.

O especialista explica que, em termos práticos, a medida “significa um alerta da necessidade de apoio e melhores condições de trabalho”. Mas, em “termos jurídicos”, Luís Gonçalves da Silva ressalva que “um profissional de saúde não pode comunicar ao utente que decidiu excluir qualquer tipo de responsabilidade”. O especialista lança mesmo a questão: “Se cada um de nós tivesse essa possibilidade, nas nossas diferentes profissões, em que é se tornaria a nossa sociedade?”.

“A relevância que, eventualmente, essa exclusão poderá ter é mediática”, remata.

Ouça aqui as explicações do especialista em Direito do Trabalho:

As notícias das 12h

Sendo assim, se um utente morrer num hospital devido a falta de condições de trabalho, mas se o médico responsável tiver pedido antes escusa de responsabilidade, será ou não responsabilizado? O jurista e especialista em Direito do Trabalho, Luís Gonçalves da Silva, é claro: “Não é por ter pedido escusa de responsabilidade que poderá deixar de ser responsabilizado. Mas essa situação poderá ter relevância para o apuramento da sua responsabilidade”.

O Governo também poderá ser responsabilizado, “mas é preciso uma factualidade bastante completa”.

Esta terça-feira, também os eenfermeiros de Cuidados Intensivos Neonatais do Hospital Santa Maria, em Lisboa, pediram escusa de responsabilidade.

Enfermeiros de Cuidados Intensivos Neonatais do Santa Maria pedem escusa de responsabilidade