Os alunos de Medicina da Universidade do Algarve (UAlg) decidiram, em plenário realizado na noite de quinta-feira, que vão manter a “neutralidade perante os acontecimentos e discordâncias entre instituições — discordâncias das quais os estudantes se isentam”. No comunicado nem uma palavra em relação à diretora do curso.

Desde que começou a circular uma carta aberta, na terça-feira, identificada como sendo do “Grupo de Estudantes de Medicina da Universidade do Algarve” que algumas vozes se manifestaram contra o conteúdo, embora não tenha sido possível até ao momento identificar qualquer um dos autores.

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O presidente do Núcleo de Estudantes de Medicina da UAlg (Nemed), Luís Gomes, disse ao Observador, antes do plenário, que essa carta não tinha qualquer valor, porque o órgão formal e oficial de representação dos alunos era o plenário e o que aí fosse decidido por maioria. Foi por isso que convocou uma Assembleia Geral Extraordinária para esta quinta-feira às 20h30. Mas o resultado não foi muito diferente daquilo que já havia sido dito na carta aberta.

O Observador não teve acesso à convocatória, nem a encontrou publicada nas redes sociais do núcleo, mas sabe que a mesma foi enviada aos alunos por email. A ordem de trabalhos incluía a apresentação da carta, a elaboração de um parecer coletivo “referente à alteração do local e mapa de vagas dos estágios clínicos do 5.º e 6.º ano curriculares” e a votação sobre esse parecer e tomada de posição consensual.

Na reunião estiveram cerca de 100 alunos distribuídos entre o 4.º, 5.º e 6.º ano, e no comunicado final reiteraram que são o “único órgão formal e oficial representativo dos estudantes” de Medicina do Algarve e reforçam a necessidade de diálogo entre as instituições envolvidas na formação destes alunos — nomeadamente a faculdade e o centro hospitalar. A carta aberta já o fazia, mas agora é oficial.

Um dos alunos do quarto ano, ouvido pelo Observador, lamenta que o comunicado dos alunos não evidenciasse mais apoio à diretora do curso, Isabel Palmeirim, e que não indicasse o desejo de que se “mantenha no exercício de funções por ser fundamental ao bom funcionamento do curso e ter demonstrado sempre uma postura exímia”, tal como haviam feito os Conselhos Pedagógico e Científico, o grupo de funcionários não-docentes e, até, o reitor Paulo Águas em declarações ao Observador. Foi por isso, diz, que votou contra o comunicado.

A carta aberta, que dava a entender que falava em nome dos alunos de quinto e sexto ano, acusava a diretora do curso de coação e devassa da vida privada, mas sobre estas acusações e sobre o desempenho da diretora do mestrado não houve qualquer referência no comunicado oficial.

O aluno do quarto ano não acompanha as acusações feitas, apesar de admitir que não esteve em nenhuma das reuniões de preparação do próximo ano letivo porque não está ainda na altura de fazer os estágios clínicos no hospital. “Não acredito em nenhuma dessas acusações e acredito que o facto de ninguém admitir a autoria dessa carta é porque as acusações são infundadas“, afirma.

A professora Isabel Palmeirim é na sua génese uma pessoa dotada de grande sentido de humanismo e sensibilidade, valores que se traduzem no seu dia a dia, na busca incessante de soluções para as mais diversas questões apresentadas pelos alunos, quer sejam de índole pessoal, quer académicas, adotando sempre uma política de ‘porta aberta’ no apoio aos alunos”, escreveram os funcionários não-docentes em comunicado.

Isabel Palmeirim, diretora do mestrado integrado em Medicina da UAlg e diretora da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas, foi distinguida pelos alunos com o prémio “Professor do Ano”, em julho de 2022. No entanto, na sequência da carta aberta, que a diretora entendeu como representado todos os alunos de Medicina, apresentou a demissão ao reitor.

Ao Observador, a diretora do curso explicou que a dificuldade de comunicação com o conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, a levou a privilegiar outros hospitais para a formação dos alunos, nomeadamente, os hospitais particulares do Algarve e o Hospital Garcia de Orta, em Almada — local onde, aliás, já eram feitos alguns estágios clínicos. Esta dificuldade vem desde que o conselho de administração entre em funções em 2020 e agudizou-se com a queixa-crime do hospital contra a direção do Centro Biomédico do Algarve (ABC), da qual Isabel Palmeirim também faz parte.

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Nas reuniões com os alunos, em grupos de cinco ou seis (de acordo com a especialidade em causa), Isabel Palmeirim diz ter procurado encontrar soluções que fossem favoráveis a todos: encaminhar para o Hospital Garcia de Orta todos os que o quisessem fazer e apoiar outros alunos em termos de alojamento e transporte, caso tivessem dificuldades em permanecer em Almada. A diretora do curso foi apanhada de surpresa com a carta aberta que falava de “devassa pela vida privada” e de “estudantes estratificados após exposição da vida privada perante os colegas, consoante o estatuto socioeconómico e familiar”.