Uma família nos EUA está a processar o Tik Tok depois de a filha de 10 anos ter morrido na sequência do que os pais acreditam ter sido um “desafio” que circula naquela rede social — em que os utilizadores sustêm a respiração para impedir a entrada de oxigénio (recorrendo a uma corda, um cinto ou outro meio, por exemplo) até perder os sentidos. Chama-se “Blackout Challenge” e poderá ter sido o mesmo “desafio” que matou Archie Battersbee, crê a família. Nos últimos anos, já se contam por uma mão os casos de crianças que terão morrido sufocadas de forma semelhante.

A família de Archie Battersbee coloca no “Blackout Challenge” (blackout pode significar desmaio) a causa da morte da criança. A falta de oxigénio no cérebro terá causado a Archie danos cerebrais que os médicos acreditavam ser irreversíveis.

Archie Battersbee, o “lutador nato” que queria pertencer à equipa olímpica

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos EUA, a família que processa o Tik Tok perdeu a filha, Nylah, em dezembro de 2021. A criança entrou no armário da mãe, enquanto esta estava no andar de baixo da casa, na Pensilvânia (EUA), com um cabide e uma bolsa para, alegadamente, imitar vídeos que tinha visto do “Blackout Challenge”, segundo o processo.

Nylah não se terá conseguido libertar e terá passado por um “sofrimento infernal” até ter perdido a consciência. A mãe, Tawainna Anderson, encontrou-a no armário já “às portas da morte”, fez-lhe manobras de reanimação até os paramédicos chegarem, mas sem sucesso. Nylah, descrita como uma “borboleta divertida”, viria a morrer cinco dias depois.

Uma análise forense ao telemóvel da menina revelou que usou o Tik Tok para ver vídeos do “Blackout  Challenge” antes de se enforcar, de acordo com o advogado que representa a família. Em maio, a família processou a rede social por morte por negligência, acusando a empresa que detém a rede social de construir “uma aplicação predatória e manipuladora” que “promoveu desafios excessiva e inaceitavelmente perigosos” perante Nylah e outras crianças.

No processo alega que o Tik Tok “está a programar as crianças em nome de lucros e a promover o vício”. E critica que o algoritmo tenha decidido que o desafio seria “adequado e suscetível de interessar” à criança de 10 anos. Dias antes, o Tik Tok teria selecionado para as sugestões de Nylah um vídeo em que pessoas colocavam plástico no pescoço e sustinham a respiração.

Nylah morreu ao simular estrangulamento em desafio que corre no Tik Tok. Mãe processa plataforma

Ao The Washington Post, um porta-voz do TikTok afirmou que o “desafio perturbador” do “Blackout Challenge” nunca foi uma tendência do Tik Tok e que as pessoas têm conhecimento dele fora da aplicação. Além de que, argumenta, é muito anterior à plataforma.

O mesmo representante do TikTok acrescenta, aliás, que um estudo de 2008 do centro de Controlo e Prevenção de doenças (CDC, na sigla original) identificou, pelo menos, 82 mortes entre 1995 (ano em que foi detetado o primeiro caso) e 2007, nos EUA, na sequência do “jogo do sufoco” (que além de “Blackout Challenge” tem outras designações como “Pass-out Challenge” ou “Choking Challenge). Ou seja, sete anos de a rede social ter sido lançada, na China.

Nesses “jogos”, os jovens estrangulavam-se a si próprios ou estrangulavam outros com o objetivo de atingir um “estado eufórico breve”, de acordo com o relatório do CDC. Já na altura os investigadores queriam alertar os pais. As vítimas foram sobretudo crianças entre os 11 e os 16 anos, com uma média de idades de 13 anos.

Máquinas que mantinham Archie vivo foram desligadas. Criança morreu às 12h15

O Tik Tok assegura que vai manter-se atento, eliminando conteúdos que possam pôr em causa a segurança dos utilizadores sempre que os encontrar. Por exemplo, já não é possível pesquisar vídeo com a hashtag #Blackout Challenge. Mas há outros casos de crianças mortas na sequência do “desafio” — depois de o verem no TikTok. O processo nomeia, pelo menos, quatro.

Austrália, 14 anos

Um rapaz australiano de 14 anos foi encontrado morto em abril de 2020 e, tal como no caso de Archie e Nylah, a família acredita que a culpa é do “desafio” viral. Neste caso, os familiares alegam que o filho terá sido pressionado pelos pares a participar e acrescenta outra possível causa: o isolamento devido ao confinamento da Covid-19.

Segundo o site australiano news.com.au, não foi ainda confirmado oficialmente que a criança estivesse, efetivamente, a querer imitar o desafio, até porque há relatos de que sofreria de bullying na escola. Mas a mãe garante que não estava deprimido nem andava triste e que o conteúdo do telemóvel revelou que o rapaz usou mesmo o Tik Tok no dia da sua morte. A mãe apela a que os país supervisionem o uso de redes sociais por parte dos filhos.

Itália, 10 anos

Uma menina de 10 anos foi encontrada morta na casa de banho, pela irmã mais nova, de cinco anos. É também a irmã quem diz que a criança estaria a participar no “Blackout Challenge” já que ao lado tinha o telemóvel (apreendido pela polícia). Tudo aconteceu em janeiro de 2021, em Palermo, Itália.

Na reação, o Tik Tok assegurou não ter identificado conteúdos que possam ter levado a rapariga a participar no “desafio”, mas assegurou estar a colaborar com as autoridades. Os pais desconheciam que a criança estivesse a participar no “jogo”. “Sabíamos que ia ao Tik Tok ver danças, ver vídeos. Como poderia imaginar esta atrocidade?”, questionou o pai, citado pela France 24.

Em Itália, estão a ser tomadas medidas. A agência de proteção de dados processou o Tik Tok em dezembro passado, alegando “falta de atenção à proteção de menores” e criticando a facilidade com que qualquer criança pode inscrever-se na aplicação.

Itália bloqueia TikTok após morte de menina de 10 anos em desafio na rede social

EUA, 12 anos

Em abril do mesmo ano, um rapaz de 12 anos no Colorado também foi encontrado inanimado pelo irmão gémeo. A criança passou quase três semanas ligada a máquinas de suporte de vida, antes de morrer. Segundo a família, o irmão tentou ressucitá-lo assim que o encontrou. Também estaria a jogar ao “jogo perigoso” “sem consciência dos riscos envolvidos”, disse a família.

EUA, 12 anos

Em julho de 2021, outra alegada vítima do “Blackout Challenge” foi encontrada morta no Oklahoma, EUA, com “marcas de ligadura” à volta do pescoço, segundo uma estação local citada pelo USA Today. Ainda foi levado para o hospital, mas morreu no dia seguinte. A família também acredita que tudo se deveu ao “desafio”.